quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Crónica do país à espera

Dou por mim a pensar como é que se pode explicar Portugal a alguém que não o conheça. Em Espanha as manifestações são sempre muito manifestadas. Na Grécia os partidos políticos tradicionais desfizeram-se e desapareceram como areia fina numa peneira. Em Itália descobre-se que o primeiro-ministro vale pouco mais de 10%. Que a um palhaço de brincar os italianos preferem um a sério. Em França as greves param efectivamente o país e toda a gente pára porque só assim se pára o país. Em Portugal não. Em Portugal nada.

Portugal é um país de gente à espera. À espera primeiro que tudo que acabe a crise. Como se a crise fosse acabar amanhã ou depois. Em Portugal espera-se que esse milagre do fim da crise surja um dia como uma tempestade de verão; que os impostos desçam; que os salários subam; que as reformas deixem de ser confiscadas; que a segurança social deixe de servir para pagar juros da dívida.

Em Portugal espera-se que o governo caia. Que o Paulo Portas faça uma fita das dele. Que os militantes do PSD se encham das aldrabices que lhes contam. Que no parlamento surjam à direita meia-dúzia de deputados com espinha dorsal (na realidade seriam necessários 18). Que o Miguel Relvas perca o sorriso amarelo. Que o Vitor Gaspar arrume o livro de merceeiro. Que o Álvaro volte a escrever em blogues e deixe de vender o país ao desbarato.

Depois, secretamente, espera-se que António José Seguro nunca chegue onde chegou Passos Coelho. Espera-se que ele diga qualquer coisa que não seja uma banalidade. Espera-se que os militantes do PS escolham alguém que não seja um carreirista, que tenha algum relevo intelectual, profissional ou social. Espera-se que no PS floresça uma ideia de esquerda. Ou uma ideia diferente das que têm proposto nas últimas décadas.

Os portugueses esperam que o presidente seja mais do que a figura patética que é. Espera-se que tenha mais utilidade que um naperon decorativo pousado numa mesinha velha num corredor onde passam leis, documentos e papelada para serem assinados de cruz.

Espera-se que lá fora (no estrangeiro) ninguém ache que somos mal comportados. Ou preguiçosos. Ou que apesar de enterrados até ao pescoço iríamos algum dia de deixar de sorrir e receber de braços abertos quem nos enterra. Ou que pensem que há quem sofra porque não vai ao médico ou porque os filhos não podem estudar ou porque não pode ligar o aquecimento ou porque tem que emigrar. Ou que pensem que há gente a quem lhe salta a tampa e decide matar-se do cimo de uma ponte ou numa linha de comboio. Espera-se que ninguém desconfie do que é óbvio.

Espera-se que juízes, procuradores e muitas toneladas de leis tenham mais utilidade do que fazer pagar multas fiscais, fazer evaporar os subsídios de férias e de natal ou prender manifestantes. Espera-se que um dia, o conselho de administração do BPN seja preso. Que a elite política do país seja acusada de cumplicidade com a marosca. Que quem faça as leis não seja quem primeiro as desrespeita. Que o governo cumpra a Constituição com mais zelo do que qualquer ministro cumpre o código da estrada.

A alguém que não perceba o que aqui se passa teríamos que dizer que ainda estamos à espera de perceber se a troika se enganou sem querer ou de propósito. Que ainda estamos à espera que tudo se resolva amanhã, apesar de nos terem dito que seria ontem. Que estamos à espera que o país vá para melhor, apesar de andar para pior ano após ano. Que estamos à espera que quem criou o problema o resolva.

Esperam que chova? Não isso não. Aqui faz sempre sol. Olhando para o estado do tempo é o que se espera para sábado. E eu espero-te lá. Lá onde? Se não sabes, descobre. Não fiques à espera.


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