segunda-feira, dezembro 31, 2007

Copos sábado à noite?

O cheirinho de alecrim.

O tabaco em si é apenas uma planta. Como provavelmente muitos de vocês sabem, uma das coisas que me chateia há muitos anos é vir para casa com perfume a tabaco. Por qualquer motivo que não posso explicar por completo incomoda-me o cheiro. Não me incomodam o cheiro de outras plantas. Por exemplo, o alecrim, o tomilho, os oregãos ou o louro. Gosto até bastante de coentros. Tabaco, confesso que nunca apreciei.

Pouca gente saberá quais os efeitos de passar o dia a queimar louro seco e a metê-lo para dentro dos pulmões. Ou alecrim, oregãos ou coentros. Dito assim parece uma coisa bastante ridícula, não é verdade? Quem se lembraria de fazer semelhante disparate? Mas pelos vistos há quem tire um prazer enorme em fazê-lo com outras plantas, sendo o tabaco uma delas... Eu ainda assim continuo a achar que os coentros são melhores fresquinhos no prato, do que queimados depois de secos.

a liberdade.
Assustam-se muito os proprietários de cafés, bares e restaurantes com a nova lei sobre o tabaco. Os jornalistas fazem coro. Os fumadores, passarão a ser oprimidos e certamente haverá até quem já se tenha dedicado a explicar como a lei é pura e simplesmente fascista. A liberdade dos fumadores está posta em causa! Estou a ficar careca, mas fico com os cabelos em pé de cada vez que penso que a liberdade está posta em causa. Nem pensar nisso! Tenho muitos amigos fumadores, como vão agora tirar-lhes essa liberdade? Nã, nã, nã... que eu também sei daquela citação do Brecht...

old school rulez.
Os revolucionários franceses do séc. XVIII perceberam muito bem essa coisa da liberdade. E perceberam-na tão bem, que a fecharam num círculo com outros dois conceitos: a igualdade e a fraternidade. Qualquer um destes, sem os outros dois, seria despido de sentido. Até agora a regra tem sido olhar para o tabagismo como a liberdade de fazer fumo em sítios fechados, em nome do prazer próprio ou doutra coisa qualquer que eu não estou em condições de perceber. E essa era a regra. A mim que me chateava o cheiro da dita planta, restava-me a liberdade de não frequentar cafés, bares e (aqui para nós que ninguém nos ouve) a liberdade de deixar de participar em determinadas reuniões, mesmo que cercado de camaradagem ecologista. Exerci essa liberdade (e continuarei a fazê-lo) muitos anos.

Ponho-me para aqui a pensar com os meus botões, enquanto vejo notícias que anunciam que muitos bares, discotecas, restaurantes de luxo e tascas das mais rascas vão abrir falência. Imagino que não abram falência logo no próprio dia 1 de Janeiro de 2008. Primeiro porque é feriado e segundo porque suponho que toda a gente terá curiosidade em ver como será, antes de abrir falência. Mesmo com a crise, toda a gente tem um pequeno pé de meia. Lá para Fevereiro estará certamente instalado o caos.

Eu estou habituado a ser minoria. Não é bem uma questão de estilo. Será outra coisa qualquer. Eu gosto de pensar que tem a ver com o discernimento - mas essa pretensão pode ser muito bem o primeiro sintoma de como estou enganado. Mas no meio desta história acho que não sou minoria. Pelo contrário, por uma vez acho que faço parte da maioria - um bolchevique afinal.

ano novo
Uma das mudanças que vejo como certa na minha vida em 2008, será certamente o facto de começar a sair mais vezes à noite. Melhor dizendo, não é bem mais vezes - porque agora nunca saio - trata-se de recomeçar a sair à noite. De cada vez que o fizer, pode ser que ajude o dono de algum bar a salvar-se da falência certa. Mas sendo os não fumadores a maioria, talvez a história venha a revelar-se diferente. Ainda assim, não tenho pretensões a adivinho.

Tenho pena que em Portugal uma lei tão sensata tenha sido implementada por um dos governos mais coerentemente e "espertamente" neo-liberais. Posso estar enganado, mas penso que nesta lei pesaram mais os técnicos do Ministério da Saúde, que o programa do governo PS.
Tenho pena que esta lei não tenha sido imposta pelos sindicatos, como uma das formas mais elementares de protecção dos trabalhadores - sobretudo dos que trabalham na restauração.
Tenho pena que tenha sido uma decisão da tecnocracia. É que é sabido, a tecnocracia, ainda que acerte às vezes, falha muitas outras.
Tenho pena que na esquerda, a liberdade de poluir surja como uma contraponto a outra coisa qualquer sempre apresentada como sendo muito (mas muito!) mais importante - a liberdade de ser informado (tanta gente que deve desconhecer os malefícios do tabaco, não é?), de ser estimulado de mil e uma maneiras a deixar o vício (mas então não somos livres de escolher?), a liberdade de ter tratamentos anti-tabágicos pagos (mas... mas... mas... os maços de tabaco, quem os paga afinal?).
Tenho pena que o meu partido tenha tomado a posição ridícula que tomou.

No meio de tanta pena não posso deixar de sorrir ao saber que os deputados não poderão invocar imunidade parlamentar e terão que fumar na rua, fora da assembleia. Dickens teria certamente escrito um livro maravilhoso sobre a questão. Mas fico curioso sobre quem se arriscará a uma conversa de circunstância com o Paulo Portas, na soleira da porta de entrada.

2007 foi o que foi, 2008 será o que será. Eu estou cá para que sejam diferentes um do outro.



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sexta-feira, dezembro 28, 2007

Momento raro de optimismo.

Há semanas que sinto prazer em pensar que de todos os sítios do mundo onde poderia viver, Portugal tem coisas extraordinárias que merecem ser desfrutadas. O quê? -perguntou-me traiçoeiramente um amigo. Não fiz ainda essa contabilidade, a lista detalhada de todas essas características e respectivas ponderações. Garanto. Ela existe e foge às banalidades que facilmente nos poderiam vir à cabeça de imediato, como o bom tempo e a boa comida. O facto de grande parte destas coisas serem invisíveis deixa-me um encanto ainda maior.

E no entanto sinto-me muitas vezes um estrangeiro no meu próprio país. Há muitos dias do ano que percorro estradas e ruas desertas. A semana passada, às dez da noite, percorri de carro uma das mais movimentadas auto-estradas das redondezas. Ao longo de mais de 50 kms passei por três carros. Pelos vistos, nenhum de nós devia estar ali. Eu na verdade não estava: sonhava com outro país, mas quase igual a este. Não me peças para explicar.



| festas do espírito santo | ponta delgada | julho de 2007 |

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Um dia serei despedido.

Sairemos de casa um dia muito cedo. Como se tivéssemos apenas seis dias de vida e uma lista de centenas de coisas fundamentais por fazer. Serão talvez quatro da manhã e não haverá ainda luz do dia. Ao nascer do dia já estaremos sobre a planície castelhana, o pôr do sol será sobre a planície monótona do centro de França. Pelo caminho vamos passando as placas de estrada, como quem cospe caroços de cereja.

Será a última vez que nos levantaremos tão cedo. Não serão seis dias que nos restam, mas um mês ou dois ou três de férias. Só madrugaremos nesse dia para esquecer rapidamente a vontade de fugir. Não vamos precisar de despertador durante uns tempos, mas mesmo que precisássemos, em caso de dúvida seria sempre posto a despertar mais tarde e não mais cedo. Nas bifurcações e no planeamento dos percursos, em caso de dúvida, escolheremos sempre o caminho mais longo. Sentados perante um menu de um restaurante, em caso de dúvida, escolheremos sempre a opção mais cara. Em todas as cidades o carro será estacionado num sítio qualquer e elas serão demoradamente percorridas a pé. Em caso de dúvida não tiraremos fotografias. Compramos postais. Tiramos fotografias tipo passe. Recortamos as últimas e colamo-las sobre os primeiros. Tudo já foi fotografado. Em momentos de tédio tomaremos um duche rápido para nos beijarmos longamente numa tenda ao frio ou num quarto alcatifado de um hotel.

Numa só cidade passaremos um mês inteiro.

Ao voltarmos a casa, tu com pêlos nas pernas e eu com uma barba de semanas, podia dar-se o caso de termos dois processos disciplinares sumários à nossa espera. Nesse caso só nos restaria uma saída: vender a merda do carro (que teria quilómetros a mais) e ir para o Canadá.



| :) | 2007 |

sexta-feira, dezembro 07, 2007

É mesmo verdade.

Ele há coisas que só se percebem com a idade.
Não falo evidentemente daquela consulta de urologia que marquei ontem.


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quarta-feira, dezembro 05, 2007

Desalfandegar uma encomenda.

[continuação do episódio anterior]

Sequência cronológica de acontecimentos.

*Descubro o balcão da Alfândega. Vazio [penso: estou com sorte.]. Lá atrás um homem levanta-se para me atender. Explica-me que antes devo dirigir-me aos serviços do aeroporto.

*Logo em frente estão os serviços da portway. Entrego a papelada que me deram na DHL, assino uns papéis e avanço confiante para a Alfândega.

*Não trouxe o cartão de contribuinte nem sei o número. Não tenho o comprovativo de pagamento do Paypal. O homem da Alfândega não é propriamente muito risonho, mas é bastante solícito. Pergunto-lhe se outra pessoa pode levantar a mercadoria por mim.
-Sim, mas diga então quanto pagou.
-Está aí na nota de encomenda o custo da mercadoria e dos portes, veja lá.
-Muito bem, vamos lá tratar disto. Como isto vem dos EUA ainda vá, se fosse chinês nada feito.
[ufff...]
-O que é que é?
-Uma camisa, roupa de bébé...
[interrompe-me ele antes que eu diga que comprei dois pares de cuecas de mulher. É uma pena. Era a minha oportunidade de lhe sacar um sorriso.]
-Vestuário, não é? Paga 12%.

*Sou chamado a um hangar onde me aparece o caixote que me é dirigido. Fico bastante surpreendido. O caixote é enorme. Estava à espera de um envelope. Lá se abre aquilo e confirma-se que dentro da enorme embalagem estavam meia dúzia de reles peças de roupa.

*Volto para a Alfândega. Entra um guarda fiscal que fala como se estivesse com uma carraspana tremenda. Fala entre dentes e com uma voz abafada. Não percebo patavina do que diz mas percebo que trata quem me atende por Sr. Dr. :|

*Recebo de volta mais uns papeis. Devo agora dirigir-me à tesouraria. Lá vou para o piso de cima. Descubro a tesouraria. Pago 25 euros e pouco. O troco que recebo é tirado de um mealheiro de lata. A fazenda pública tem o seu charme.

*Volto para o piso inferior. Entrego a prova de pagamento, recebo mais uns papeis. Devo agora dirigir-me de novo aos serviços aeroportuários.

*Penso que finalmente me será entregue a encomenda. Puro engano. Devo agora pagar mais 22 euros porque o caixote esteve "estacionado" no armazém 5 dias. Pago. Ainda não é desta que recebo o caixote.

*Devo agora dirigir-me a outro balcão. Entrego a papelada toda, assino mais um papel de não sei quê e zás: tenho nas mãos um caixote enorme (praticamente vazio!) que me custou 100€. :)

Estou chateado? Nem por isso. O que me custa mais é ter que me meter no carro e seguir em direcção ao centro. Detesto ir trabalhar de carro.

Curiosamente, estacionar o carro três horas no centro da cidade é tão barato como deixar um reles caixote pernoitar no armazém do aeroporto de pedras rubras...


| dos balcãs guardo boas recordações de portugal | sófia | junho de 2007 |

terça-feira, dezembro 04, 2007

As compras pela internet.

Sento-me em frente ao monitor, como já não o fazia há algum tempo. Não só com algum tempo livre, mas sobretudo com disponibilidade mental para escrever qualquer coisa. Ora mas ter disponibilidade não significa que se escreva. E melhor ainda que isso. É que qualquer coisa é mesmo qualquer coisa e como facilmente se depreende deste parágrafo, é fácil dar voltas e voltas sem se dizer nada. Um pouco à José Luis Peixoto. Não diria um estilo, antes uma prática. Detesto-a. :)

Aqui há uns tempos atrás, nem sei bem de que forma, tropecei numa paródia de site nos Estados Unidos (este pormenor revelar-se-á importante para o desenrolar da acção). Click puxa click, gargalhada puxa gargalhada e vai daí em menos de nada estava a pensar que com a desvalorização do dólar, as coisas não ficavam assim muito caras. Comprei pouco menos de dez contos de palermices. E saibam que me custa dar dinheiro aos americanos. É assim uma espécie de princípio simples...

Um dia, estou eu longe de casa (longe de casa é, p.ex., em Lisboa, que não é sequer muito longe bem vistas as coisas) quando me apita o telefone. Sinto um certo frisson. Quem não sente um frisson ao receber um sms, hã?

(DHL) Envio da Thinkgeek dos EUA, carta de porte ****** retido na Alfândega. Pf contactar DHL, ######, Cumprimentos, Daniela

Decido ligar (demonstro alguma inteligência nos meus comportamentos, não é verdade?).

-Boa tarde, estou a ligar para saber o que é necessário para desalfandegar a carta de porte *****. 30€ mais os impostos devidos? Mas a encomenda não chega aos 50€...! E posso ser eu próprio a tratar disso? Muito bem... Faça o que tem a fazer que eu próprio vou à Alfândega. Qual é o horário, sabe-me dizer? Das 09:00h às 12:30h e das 14:00h às 17:00h... Muito bem, que rico horário! [rais parta. c@r@g0 lá para os serviços de alfândega (isto dentro de parênteses rectos sou eu a pensar, não foi o que eu disse à senhora que estava a ser muito educada comigo)]. Sim senhora, fico à espera do vosso contacto.

Assim se passaram três dias úteis até que ontem recebo um telefonema da DHL a dizer-me que toda a papelada estava pronta.

Aviso o chefe de que excepcionalmente chegarei atrasado. Não há crise. Tenho bom ambiente de trabalho e quando me toca a mim também facilito a vida à empresa.

Entro no carro às 08:30h. Detesto pegar no carro à semana. Só para sair do meu quarteirão demoro quase 5 minutos. Detesto conduzir à semana. Vejo o trânsito todo em sentido contrário. Detesto o trânsito matinal dos dias de semana.

Estou sentado em frente à recepção da DHL às 08:50h. Só abre às 09:15h. Juro que me disseram ao telefone que abria às 09:00h. Que interessa isso agora?

A senhora entrega-me a papelada e vou para o aeroporto. Agora começa a aventura. :)

To be continued... [como dizem os americanos]



| porto | setembro de 2007 |

domingo, outubro 21, 2007

A produtividade, ora aí está, quer dizer...

Um dia sentirei inspiração para descrever como reparar uma máquina cujo disco RAID não funciona, ao mesmo tempo que se pensa em mudar radicalmente o template do blogue, ao mesmo tempo que se aprende em simultâneo duas novas linguagens de programação, ao mesmo tempo que se descobr parte do ovo de colombo. Hoje não me apetece.




| porto | setembro de 2007 |

quinta-feira, outubro 18, 2007

Caro deus, um pouco de fé...

Encontrei-o poucas vezes ao longo da vida. Imagino que como pessoa ocupada que é, tenha mais que fazer do que prolongar a sua eterna existência com minudências como é a minha vida quotidiana. No entanto, dos poucos encontros que tivemos, saliento o facto de serem sempre sexta-feira à noite. Percebe-se bem. A sexta à noite é para ele um momento de descontracção, em que ele dá algum espaço para que o seu eterno compincha de profissão, Belzebu, possa por um momento divertir-se sozinho com a sorte dos mortais.

Ele não é muito falador. Compreende-se. A eternidade é muito tempo. Já leu todos os livros, já viu todos os filmes, já apreciou todos os poemas, já desvendou todos os mistérios policiais, já verificou todas as contas bancárias, já ouviu todas as histórias de todos os avós, já atravessou a pé países inteiros, já provou todos os pratos de todas as culturas, já navegou todos os oceanos, já chutou todas as bolas, já disparou todas as máquinas fotográficas, já ouviu todas as línguas, já amou de todas as maneiras e já matou das formas mais selvagens.

Isso explica os monólogos que todos são obrigados a ter com ele. Eu acho isso um disparate, pelo que só tenho monólogos comigo próprio.

Mas numa dessas sextas-feiras à noite, em que descubro que num ápice devo meter-me no carro para trabalhar toda a noite, percebo que o gajo me decidiu dar alguma atenção. Os problemas prolongam-se noite fora, o estômago vazio, o ar condicionado ronca infernalmente... nada do que aprendi me serve para fazer funcionar o equipamento que tenho à frente... Repito várias vezes: «não acredito».

E precisamente às 5:38h, enquanto matraqueio o teclado, no meio de telefonemas que me azucrinam o juízo, observo na consola...

Apr 1 05:38:43.072: %LINEPROTO-5-UPDOWN: Line protocol on Interface Serial0/0/0:5, changed state to down
Apr 1 05:38:44.589: %OSPF-5-ADJCHG: Process 1, Nbr 172.20.50.253 on Serial4/1 from LOADING to FULL, Loading Done
Apr 1 05:38:51.479: %SYS-5-CONFIG_I: Configured from console by joaoluc on vty0
Apr 1 05:38:54.883: %MESSAGE-FROM-HIM: Non believers always did my day.
Apr 1 05:38:56.147: %MESSAGE-FROM-HIM: :)

Num ápice o ar condicionado apaga-se, o velhinho 7500 dá o seu último "ai". Circulo pela sala à procura de um disjuntor disparado. Nada. Tudo parece normal. Mas quando chego junto ao PC ele está com o ecran azul do windows. Repito: «não acredito» e fico à janela a apreciar o silêncio e as luzes amarelas na avenida deserta.

Na segunda-feira seguinte confirmo: as mensagens no servidor SYSLOG terminam às 05:37h. Irra, não acredito.


| Lisboa | Setembro de 2007 |

terça-feira, outubro 16, 2007

Chega de Bois

A tarde foi maravilhosamente bem passada. Umas duas mil pessoas no meio de um descampado para verem as bestas pegadas. Ao contrário do que é habitual hoje em dia em qualquer sítio não andava por lá ninguém com máquinas digitais (nem outras).

Converso com os donos dos animais. Vêm de longe para ganhar meia dúzia de trocos. Percebo que se preocupam genuinamente com eles. A vida tem destas contradições.

Vou cruzando olhares e sorrisos com desconhecidos. A dada altura chamam-me. Perguntam-me para que jornal trabalho e se podem ficar com as fotografias. Explico que não há problema nenhum. O único problema é que são a preto e branco e não sei quando ficarão reveladas. Tudo bem.

Passado uns dias respondo a uma mensagem de correio electrónico:
«Quando falámos, não tinha percebido que gostavam de as publicar num artigo de jornal. Confesso que não é coisa que me agrade muito, porque as reportagens deveriam ser feitas por fotojornalistas e não por amadores ou por curiosos que trabalhem gratuitamente. A médio prazo isso prejudica-nos a todos enquanto cidadãos.»

Depois de conversar com alguns amigos, acabei por pedir simbolicamente 25€ por cada fotografia usada. Nunca mais recebi qualquer resposta. :)

sexta-feira, outubro 05, 2007

Bloco de notas.

a) Um aperto no peito.
[e algum, posso dizê-lo, orgulho.]

b) Um sorriso:
«(...)como as pessoas que se julgam importantes falam com mais à-vontade de guerras e mortos do que de corpos e sexo, que é coisa que toda a gente tem ou faz.»
[Isto aplica-se a algumas pessoas que eu conheço...]

c) uma gargalhada:
Não gosto de amadores, nem da Amadora. Mas gosto de amantes.
[sobretudo vindo de alguém que parece um tonto vaidoso, que fotografa medianamente e, só por vezes, acerta no que escreve. Aqui, no meio de tanta coisa, acertou nalgumas.]



Acabo de descobrir que a Olympus mjuII com que fotografei nos últimos tempos tem personalidade própria e provoca uns efeitos estranhos na película. Provavelmente uma entrada de luz.


| miradouro da graça | lisboa | setembro de 2007|

terça-feira, outubro 02, 2007

Dia 7.1

Estou sentado sozinho no meio do aeroporto. Tenho nas mãos uma garrafa de água que devo acabar de beber antes de passar pelo controlo de segurança. Ao meu lado senta-se um homem. Senta-se e suspira. Olha para mim. Não ligo. Olha para mim de novo e pergunta-me: "Monsieur, vous parlez français?".

É Engenheiro Mecânico a estudar/trabalhar na Bulgária. Em cinco minutos conta-me como perdeu o avião para a Argélia. O autocarro que o trazia de Varna para o aeroporto atrasou-se e o próximo avião é dentro de uma semana.

Estava a dormir no aeroporto. Sem dinheiro para ficar alojado num hotel. Sem visto para o espaço Schengen que lhe permitisse encontrar alternativas nos grandes aeroportos do centro da Europa. Sem qualquer apoio da embaixada argelina. Na Argélia já era fim-de-semana. Na Europa o fim-de-semana começava amanhã. A máquina de fazer salsichas, que é a burocracia fronteiriça, triturou um homem por engano mas ninguém a pode desligar.

A meio da conversa pergunta-me se conheço alguém na embaixada portuguesa que o pudesse desenrascar. Estava calmo e não me pediu dinheiro. Isso faz-me hesitar e puxar pela carteira. Hesito, hesito e não puxo pela carteira. Sei que 20€ provavelmente o desenrascavam por dois dias.

Dirijo-me ao controlo de segurança. Ninguém saberá da história deste homem. Nem eu próprio me lembrarei dela daqui a uns tempos.

Penso: uma viagem acaba sempre em casa.

[carregar na fotografia abaixo]

Dia 7.0

O conselho que deixo a quem quer que visite Sófia de automóvel: deixem o carro mal estacionado, de preferência num sítio central, numa grande avenida cheia de movimento. O mais natural é que o carro seja multado e bloqueado. A multa, escrita em cirílico, será completamente imperceptível. No entanto bastará ligar para o número de telefone para resolver o assunto. Em menos de 10 minutos o carro estará desbloqueado. A taxa de serviço é muito razoável: 5 euros.

O conselho que deixo a quem quer que visite Sófia de automóvel: não deixem o carro mal estacionado a duas horas de apanharem um avião.


| mercado | sófia | bulgária | junho 2007 |

Dia 6.3

O encanto do percurso de carro pela cordilheira do norte da Bulgária faz-me ranger os dentes contra a pressa. A pressa é uma merda.

Depois de tanta volta, chegados a Sófia ainda de dia, começo a redescobrir na cidade um encanto que me tinha passado desapercebido nas primeiras impressões.

De repente, longe das largas avenidas, pequenas ruelas percorridas pelos eléctricos, jardins onde se joga xadrez e num repente dou por mim com algum conforto a ouvir falar português no meio de um grupo de búlgaros.


| xadrez | sófia | bulgária | 2007 |

Jantamos no Gepeto, carne grelhada - claro -, saladas - claro - e iogurte - claro. É a última refeição quente. Sente-se o fim da festa.

É evidente que tenho vontade de voltar a casa, até porque as férias continuarão nas semanas seguintes, mas sinto algum pesar pelo fim destas férias em particular.


| teatro nacional ivan vazov | sófia | bulgária | 2007 |

segunda-feira, outubro 01, 2007

Dia 6.1

A única discussão sobre o planeamento das férias tinha sido a passagem em Veliko Tarnovo. Eu tive que forçar a visita à antiga capital búlgara. Ficou acertada uma tarde para visitar a cidade, visita essa que acabou por ficar reduzida a menos de hora e meia. Das cidades búlgaras era a que tinha mais curiosidade em conhecer e a verdade é que fiquei com aquela sensação que ainda lá voltarei em dias da minha vida.

Chegámos lá depois de parar por pouco tempo em Kazanlak por causa de uma desdita essência de rosas. Almoçámos por menos de uns trocos numa tasca para camionistas no meio da montanha entre Kazanlak e Gabrovo.

A fotografia ao longe do Tsarevets - a cidadela antiga agora desabitada - ficou lixada por um reflexo da própria máquina na janela do hotel onde lanchámos. Não era esse o objectivo.

tsarevets
| tsarevets | veliko tarnovo | bulgária | junho 2007 |

Dia 6.0

Acordar às 06:45h. Atravessar um país de lés-a-lés em menos de nada. Lembro-me da estrada de Valladolid a Burgos. Gostava de poder parar em cada aldeia de berma de estrada. Não posso. Há maratonas que só se fazem nas férias. O avião não espera.

Numa mija de beira de estrada, disparo mais uma. Não me lembro de ver girassois na estrada para Valladolid.


| campo de girassois | na estrada entre burgas e kazanlak | bulgária | 2007 |

quinta-feira, setembro 27, 2007

Dia 5.6

Num hotel lotado, estranho como usamos a piscina praticamente sem companhia. Os restantes hóspedes usam-na durante o dia, com muito calor e com muito sol. Nós usamo-la antes do pequeno almoço ou tardiamente à hora de jantar.

O hotel prepara animações para os hóspedes. Aprecio ao longe as encenações na esplanada feitas, parece-me, à medida dos alemães. Os velhotes são os mais animados. Divertem-se, riem e conversam entre si. Os casais com crianças têm as mesmas trombas que teriam no final de um dia de trabalho. Aborrecem-se de morte e de certeza que não fizeram sexo uma única vez em todas as férias.

Em frente à piscina penso para mim mais uma vez: horrível. E um pouco em segredo, enquanto os ouço conversar, pouso a máquina nas espreguiçadeiras e retenho mais uma memória.

auto-retrato de joaoluc
| em frente à piscina | nesebar | bulgária | junho 2007 |

Dia 5.3.4.5

Nesebar
| sozopol | bulgária | junho 2007 |

A piada seca era a seguinte. Estávamos alojados no hotel Iberostar Festa. As estrelas ibéricas éramos nós e festa era o que nos esperava. Como qualquer piada seca, puro trocadilho de palavras de relevo desprezável.

Naquela tarde o melhor que aquele hotel tinha para me oferecer era uma cama e um quarto fresco para dormir uma sesta.

Burgas
| burgas vista da janela do carro | bulgária | junho 2007 |

Ao fim da tarde, em frente a uma praia feia q.b., o S. mostra-me indignado com a forma como a praia tinha sido privatizada. Aproveitando o facto de as marés no mar negro serem minúsculas, toda a praia estava cercada por um cordel até à água. Quem se quiser deitar na areia tem que pagar. Por ali o capitalismo foi compreendido num ápice.

O sol põe-se em terra, de costas para o mar. É estranho.
uma cerveja em frente ao mar
| meia cerveja burgasko | e o mar negro | nesebar | bulgária | junho de 2007 |

quarta-feira, setembro 26, 2007

Dia 5.2

Disparo mais uma snapshot. Espanta-me que, paredes meias com a Roménia, não haja Dacias. Os Ladas também servem. Na fracção de segundo em que o obturador permite a passagem de luz até ao ccd da máquina o mundo passa a dividir-se em duas partes irreconciliáveis. Aqueles que olhando para esta foto sabem porque é que ela foi feita e os outros.

um lada em Sozopol

| lada | sozopol | bulgária | junho 2007 |

terça-feira, setembro 25, 2007

Dia 5.1

Sozopol é (era) uma vila piscatória junto ao mar negro. O encanto que tem resulta mais do facto de não ter milhões de turistas germânicos, britânicos e escandinavos do que propriamente da sua beleza.

À beira mar os barquinhos. No interior as casinhas de madeira. Muito bonito para os postalinhos. De resto muito chato.

[assim se escreve Sozopol em cirílico, tem o seu encanto, não é?]


| sozopol | bulgária | junho 2007 |

Dia 5.0

Todas as horas apresentadas são em fusos horários diferentes e todos eles fictícios.

08:30h Ninguém na piscina do hotel. Ninguém vírgula, três portugueses mergulham ainda antes do pequeno almoço na água morna.

10:00h Direcção: Sozopol. Tinham-nos avisado... Sozopol estaria mais bem conservado e teria mais interesse do que Nesebar. Vamos lá espreitar então.

10:20h Passámos pelo interior da cidade portuária de Burgás. Horrível. :)

10:30h Estação de serviço. Tirar as primeiras snapshots do dia com a digital. Já tinha referido que estava calor?


| lukoil | a sul de burgas | bulgária | junho 2007 |

domingo, setembro 23, 2007

Dia 4.2

Das coisas mais bem inventadas dos tempos modernos é a proibição de fotografar. Lembro-me dos tempos em que não se podia fotografar nos aeroportos. Imagino que tenham percebido que a gosma suicida não precisasse das fotografias para nada. Ainda me pus a puxar pela cabeça porque razão não se poderia fotografar na igreja arménia de Plovdiv. Porque poderia ser atacada à bomba por integralistas Turcos? Porque é demasiado pobre para ser mostrada em público? Porque tem dizeres obscenos escritos em arménio nos tectos? Não faço ideia.

Pode uma cidade resumir-se a um fabuloso gelado? Não é bem assim. Pode uma cidade resumir-se a um passeio por um jardim onde se joga xadrez, a uma estação dos correios de estilo neo-realista e a um fabuloso gelado? Pode.

Partimos de Plovdiv a seguir ao almoço, atravessando metade do país com temperaturas acima dos 40ºC. Felizmente alugámos um Toyota, penso várias vezes.

À chegada a Nesebar penso no terrível erro cometido. Passaremos duas noites num sítio que parece Albufeira ou, melhor ainda, a Quarteira. Repito inúmeras vezes: «isto é horrível», até que os meus companheiros de viagem me proíbem de usar a palavra.

No balcão do hotel perguntamos como nos dirigimos até à cidade antiga (património mundial). A funcionária admira-se com a nossa pergunta. Mau presságio, penso eu, enquanto repito: isto é horrível.

moinho em Nesebar
| moinho | nesebar | bulgária | junho 2007 |

Depois de um jantar tardio em que não paro de transpirar, percorremos a pé a cidadela de Nesebar. À entrada do istmo, o velho moinho comunitário. Lá dentro, parece-me que acabei de entrar na feira de Espinho. E na verdade recebo de oferta uma camiseta do escrete, comprada nos ciganos.

Já passa da meia-noite, o calor continua insuportável. É a hora do S. se juntar aos búlgaros que tomam banho de mar. Eu fico nas margens a vê-lo misturar-se no negro do mar.

à noite, um homem entra mar adentro

| o homem laranja no mar negro | nesebar | bulgária | junho 2007 |

quarta-feira, setembro 19, 2007

Dia 4.1

Sentado numa esplanada sobre as ruínas do teatro romano percebo que atrás de mim se conversa muito, mas com muitas pausas. Duas mulheres reflectem nas palavras; param para pensar. De repente uma delas levanta-se e, ali mesmo, em frente aos papalvos dos portugueses, começam a explicar passos de dança.

Há de certeza quem teorize sobre a possibilidade de um país poder ser analisado pelas conversas que decorrem nos seus cafés. Em Portugal fala-se de futebol, em Inglaterra fala-se de Portugal, na Bulgária fala-se de dança.


| mãos ao alto | plovdiv | bulgária | junho 2007 |

Dia 4.0

Não faço ideia como era. Se era uma daquelas manhãs em que não me apetecia olhar ao espelho. Se era uma daquelas manhãs em que me apetecia dar um empurrão na balofa que não me deixa sair do metro. Se era uma daquelas manhãs que não me apetecia escrever. Se era uma daquelas manhãs em que não me apetecia dormir nem me apetecia acordar. Acho que não. Não me lembro bem.

Lembro-me que a senhora ficou muito baralhada com os nossos pedidos de pequeno-almoço. Recusámos os menus pré-definidos e trocámos as voltas a tudo. Na mesa apenas leite, pão e fruta. O hotel ficou a ganhar e nós também. Era uma daquelas manhãs em que não me apetecia comer carne ou ovos de manhã. Disso lembro-me bem.


| eu e o p. | hotel nord | plovdiv | bulgária | junho 2007 |

segunda-feira, setembro 17, 2007

:)

De repente lembrei-me como teria sido ter uma gaja no quarto do pulha.

A foto que se segue nada tem evidentemente a ver com o assunto.
Lembro-me entretanto que ando há meses para relatar com trivialidades uma mísera viagem de seis dias.

sorrindo
| e. | algures a norte de uma fronteira | fevereiro 2007 |

domingo, setembro 09, 2007

Dia 3.2

Da noite, elenco as minhas impressões por ordem de importância:

1- Ainda o calor. Milhões de mosquitos febris e famintos descarregam sobre as minhas pernas a sua natureza. Mato uns quantos, mas a batalha é desigual. Guardarei de Plovdiv recordações para uns dias.


| centro de plovdiv | à noite | junho de 2007 |

2- Há muito que não me sinto missionário das minhas próprias opiniões. Sobretudo não me sinto refém de grandes certezas quando efectivamente não as tenho. Ao jantar, abandono um amigo entregue ao seu próprio monólogo sobre a capacidade de acção para mudar a política mundial. Creio que isso é aos seus olhos mais grave do que defender a tese oposta. Na verdade naquele momento preocupavam-me mais os mosquitos.

3- Há quem se aperalte para a noite com t-shirt de marca. Eu tiro da mala a primeira coisa que me vem à mão. Durante a noite perguntam-me o que tenho escrito ao peito. Olho para mim próprio e vejo que proclamo em castelhano solidariedade com os indígenas Guatemaltecos Há quem se ria com a ironia. Nada posso fazer. Sempre achei uma estupidez o fétiche de vestir roupa de marca apenas pelo estatuto que implicitamente ela daria. A verdade é que a minha t-shirt nada fará para ajudar quem quer que seja na Guatemala, ainda assim, serve-me para excretar alguma bílis.

4- Durmo despido num quarto que continua abafado, mesmo com o ar condicionado ligado. De manhã olho para o chuveiro: não é mais que um ralo ao lado da sanita. Adoro os balcãs.


| um atleta | plovdiv | junho de 2007 |

segunda-feira, setembro 03, 2007

Dia 3.1

Tenho um certo fascínio por segundas cidades. Primeira coisa: o que é isso das segundas cidades? Uma segunda cidade é digamos Montreal em vez de Toronto. Ou Santiago em vez de Havana. O fascínio nem é sequer por segundas cidades. Também tenho fascínio por terceiras e quartas cidades. É Lyon em vez de Paris. É Compostela em vez de Madrid. Ou no que diz respeito à música, Manchester em vez de Londres.



| Plovdiv | Bulgária | 2007 |


As capitais são chatas. O próprio conceito de capital é chato. Andava eu ainda na escola preparatória e era pelo menos assim que anuia com uma pichagem anarquista perto de casa: "nem estado nem capital". Mais tarde viria a perceber com um sorriso o sentido exacto da frase.

E era assim com algum encanto que partia para Plovdiv. Os preconceitos não são sempre negativos, podem dar-nos algum optimismo. O encanto desvaneceu-se logo à entrada da cidade e a viagem seguiu imediatamente caminho em direcção a sul. Ali haveríamos de dormir, por isso nada de pressas.


| Plovdiv | Bulgária | 2007 |

A sul encontramos o castelo de Asen. É uma das fortalezas históricas do país. À entrada de uma passagem na cadeia balcânica, hoje pouco mais não é do que uma pequena torre de menagem onde ondula uma grande bandeira.


| Asen | Bulgária | 2007 |

Os dias começam-se a repetir. Visitámos um velho mosteiro ortodoxo em Bachkovo. Este bem mais decadente que o de Rila. Ao entrar em igrejas, mosteiros, mesquitas e quejandos fico automaticamente com uma sensação de grande inibição e de um estranho desconforto que me obriga a sussurrar em vez de falar normalmente. Sou ateu mas enfim... O cheiro enjoativo a incenso misturado com a bosta (!!!) dos animais que vivem ao lado da capela deixam-me com mais vontade de sair dali.

Mas a melhor repetição é o banho tomado no meio de um rio que corria vivo montanha abaixo. A praia improvisada não serve sequer para pousar uma carteira no chão, mas ainda assim entro com grande gosto pela água dentro, não sem antes ter trocado umas palavras com o velhote que já lá estava dentro e que parecia um antigo campeão de halterofilismo. Mais uma vez fico com a sensação que os búlgaros percebem perfeitamente o português.


| ainda asen | bulgária | 2007 |

domingo, setembro 02, 2007

Dia 3.0

Directos a Koprivshtitza. Começava o zapping. Cidade encravada no meio de uma zona montanhosa, fica longe das principais estradas que atravessam a Bulgária longitudinalmente. Aqui começou uma das sublevações contra o império-otomano. A paisagem tem algo de alpino. A cidade em si é pouco mais que uma aldeia grande. As casas são em madeira e por vezes pintadas de uma forma pouco habitual aos meus olhos. Não há em lado nenhum os prédios em betão que enchem a paisagem de qualquer cidade búlgara, das pequenas às maiores. Isso por si só é já algo de muito exótico.


| Копривщица | vista de cima | claro | bulgária | Junho de 2007 |

Como é habitual em viagens "turísticas" não há grande contacto com as pessoas da terra. O dia de calor não ajuda e provavelmente está toda a gente em casa. A excepção são os jardineiros que se riem muito quando deles aproximo a lente. Dirigem-se a mim em Búlgaro e respondo no português mais perfeito que consigo. A hora da refeição serve para ganhar coragem para o passeio a pé debaixo de uma tisneira terrível. Para a mesa vem algo ainda mais terrível, um dos pratos típicos da Bulgária: sopa de tripas. O cheiro é insuportável e estaria disposto a apostar que a malga voltaria para cozinha tal como tinha sido pousada na mesa. A verdade é que não e há mesmo quem consiga comer aquilo - que não eu, claro.


| a sopa de tripa | é mesmo tripa | juro | Копривщица | bulgária | junho de 2007 |


Apesar da proximidade com a Roménia, por cá não há Dacias, a não ser alguns (poucos) Logans. Ainda assim é a pensar em Dacias que fotografo um Lada. E já em casa ponho-me a sonhar: um Dacia em segunda mão deve ser uma coisa bem baratinha, não? E deixo deliberadamente de parte a questão de ter que o fazer viajar 2500km até Portugal. Isso sim, daria uma verdadeira crónica de viagem.


| mосквич | moskvitch | afinal não é bem um lada | Копривщица | bulgária | junho de 2007 |

sexta-feira, agosto 24, 2007

Dia 2.2

Era domingo no mundo. Tinhamos gente à nossa espera para jantar em Sofia. Contavam connosco a horas decentes. Eu não sei muito bem; a combinação não era comigo. De qualquer forma, à entrada de Sófia descobrimos aquilo que já sabiamos. Era domingo no mundo. Já estávamos atrasados, mais atrasados ficámos. Aos nossos olhos, a entrada rodoviária ao sul de Sófia, concentrava naquele momento muito mais que metade da população da cidade.

Estava muito calor. Suei muito é evidente. Mas naquela altura já só pensava em jantar e em conversar um pouco com quem nos convidava. Mas as donzelas que comigo estavam pensavam noutras coisas. Tinham acabado de tomar banho numa barragem ao sul de Sófia, depois de Samokov. Eu não os tinha acompanhado e, pela lógica, seria eu o mais necessitado de um banho. Nada disso. O chófer (eu próprio) teve que levar as donzelas respectivamente a casa e ao hotel.

Chegámos finalmente onde deviamos ter chegado duas horas antes. Quem nos esperava não estava com cara de muitos amigos. As explicações não convenceram. Como se poderia justificar o atraso com um banho tomado numa represa onde o lixo abunda nas margens e onde a água turva não inspira grande confiança...?


| banho domingueiro ao sul de sófia | entre samokov e sófia | bulgária | junho 2007 |

De Portugal trouxemos coisas para gostos diferentes. O último livro do Jorge Marmelo, uma bola e um boné da selecção. Ficaram em cima da mesa esquecidos no meio das conversas à volta de Portugal e da Bulgária. Fico a saber de viva voz como os vestígios da sociedade policial não desaparecem de um dia para o outro e de facto ainda não desapareceram. Nada que na verdade me surpreenda. Só alguém de má fé pode justificar um pintelho que seja do estalinismo.


| lembranças tremidas de portugal | sófia | bulgária |

quinta-feira, agosto 23, 2007

Dia 2.1

Não encontro um paralelo entre aquilo que é um mosteiro da igreja ortodoxa e algo que diga respeito à nossa realidade histórica e cultural. Os mosteiros na Bulgária (na Roménia é semelhante) estão metidos em locais de alta montanha, tipicamente longe de tudo e com um acesso que há uns anos atrás seria bem mais complicado que hoje. Os monges viviam [vivem] isolados de tudo e de forma aparentemente autónoma.

O mosteiro de Rila, o mais famoso de toda a Bulgária, em pleno mês de Junho ainda é tutelado por vestígios de neve no topo das montanhas. A arquitectura cheira já a qualquer coisa de bizantino. A mim em particular esse tipo de construção lembra-me Veneza.


| O mosteiro de Rila | Bulgária | Junho de 2007 |

Mas mais impressionante que tudo isso são os frescos. As cenas são muito coloridas e aquelas que retratam certas passagens bíblicas, representações do inferno ou determinados acontecimentos são particularmente grotescos.


| frescos | Rila | Bulgária | Junho de 2007 |

Neste mosteiro sente-se muito pouca religiosidade no ar. O que quer que isto signifique. Sei bem que a religiosidade não voa. Há magotes de turistas por todo o lado.

Mais importante que isso, recordo um dos ensinamentos de um dos grandes fotógrafos amadores portugueses: nunca menosprezar o potencial fotogénico de uma turista japonesa e do seu respectivo guarda-sol.

Olho para as notas que tomei nesse final de dia. «O mosteiro é impressionante. Não deu grandes fotos. Talvez algumas engraçadas a cores.» Ainda não revelei os filmes a preto e branco, mas a julgar por mim próprio, melhor que isto não deve haver. De qualquer forma a boa recordação deste dia são as filhoses quentes comidas à porta do mosteiro. Custaram 60 stotinki cada uma. Que dinheiro tão bem gasto...


| o potencial fotogénico da turista japonesa | Rila | Bulgária | Junho de 2007 |

Dia 2.0

Um casal de namorados nunca se conhece suficientemente bem. Não é por causa da névoa que provoca a paixão. É só porque as coisas são assim mesmo. No dia em que vão viver juntos, descobrem novas pessoas, com defeitos, tiques, rotinas e atitudes que se desconheciam.

Tal como um casal de namorados não se conhece suficientemente bem até partilhar uma casa, um grupo de amigos não se conhece suficientemente bem até passarem umas férias juntos. É aqui que se deixa de lado alguma da superficialidade que o convívio quotidiano, por mais que queiramos, tem.

"A" gosta de acordar cedo, tomar o pequeno almoço em menos de 15 minutos e fazer-se à estrada antes das nove da manhã. "B" gosta de se deitar às tantas da manhã, sem qualquer procupação com os planos para a manhã seguinte, apesar de ser o primeiro a acusar os restantes pelo atraso matinal. "C" depois do pequeno-almoço, precisa de cagar e fumar um cigarro - não necessariamente por esta ordem - coisa que faz sempre com a mesma calma, mesmo no meio de um tremor de terra. No percurso "A" gosta de conduzir devagar, com os vidros fechados e o ar condicionado ligado e parar muito raramente. "B" gosta de conduzir rapidamente, com os vidros abertos e parar de 20 em 20 minutos, alternadamente para comprar água e mijar. "C" prefere dormir e quando acorda pede estridentemente para comprar fruta, postais ou água de rosas num sítio qualquer.

O que é que define um grupo de amigos: terem a capacidade de olhar para isto tudo e rirem-se como uns perdidos de si próprios quando chegam com uma ou duas horas de atraso onde precisavam chegar mais cedo.

O risco de partir de férias com amigos é mais alto do que o pode parecer à primeira vista. Já sabia isto tudo, antes de tirar esta fotografia numa bomba de gasolina a caminho do mosteiro de Rila. Olhando para os meus amigos, considero-me um gajo com sorte.


| Mig Petrol | Bulgária | Junho 2007 |

domingo, agosto 19, 2007

Dia 1.5

Sempre que se viaje para oriente, é natural que um europeu se comece a sentir analfabeto no meio das ruas. Apesar de ainda estar na Europa, a Bulgária é o início do oriente. E eu, que sabia que ia conduzir, tratei de fazer bem o trabalho de casa e estudar o cirílico nos poucos tempos livres em que pude fazê-lo.

Não estava exactamente à espera de encontrar "Macdonald's" escrito em cirílico, tal como não esperava ver no Quebeque neons do "PFK". Pelo que percebo, na Bulgária toda a gente domina os dois alfabetos e, com a integração europeia, muitas das coisas aparecem escritas lado a lado na forma latina e na forma cirílica. A situação deve ser muito mais divertida na Ucrânia ou, evidentemente, na Rússia.


| americanices | sófia | junho de 2007 |

O P. chega nessa noite vindo de Portugal. No restaurante, às onze e meia da noite, depois de olhar para a lapela da empregada pede-me para ler o seu nome. Eu pareço uma criança de sete anos a soletrar as letras, mas acaba por me sair qualquer coisa com sentido: "Svetlana". Mas mais gozo ainda tinha eu ao ver as placas que marcavam Atenas, Skopie e Belgrado. Deixam-me um nervoso miudinho na ponta dos dedos.

Ponho-me a pensar que talvez seja melhor avisá-los: se um dia de manhã eu e o carro tivermos desaparecidos talvez seja melhor avisar directamente a polícia sérvia. Num ataque de sonambulismo (pelo menos seria esta a minha desculpa) tinha fugido para Nis...


| kulata - skopie - atina - kalotina - belgrad | sófia | junho 2007 |

sexta-feira, agosto 17, 2007

Dia 1.4

O protagonista do livro do Houellebecq não precisaria de ter ido até à Tailândia ou à América do Sul para ilustrar os paraísos do turismo sexual. No meio da rua, um engravatado mete conversa da forma mais imbecil e óbvia: pergunta-nos as horas. Já em Havana toda a gente me perguntava as horas a qualquer momento e em qualquer circunstância…

Não posso censurar o alcoviteiro. Ao longo da nossa viagem outros pensaram o mesmo. Três homens em viagem a sós pela Bulgária, só podem estar à procura de sexo. E muito. Não era bem o caso.

Em menos de três tempos tinha na minha mão um cartão com todas as informações úteis: um número de telefone, os preços e a garantia de controlo médico. Rimo-nos como uns perdidos ao ver que nos era proposta uma modalidade “non-stop”. A verdade é que uma mulher que nos fizesse estar acordados uma noite inteira não teria preço... Ultimamente, só uma tem essa capacidade e isso não tem nada a ver com sexo.


| o cartão non-stop | sófia | junho de 2007 |


Guardo o cartão na carteira e começo a deixar de reparar nas mini-saias que por mim passam a toda a hora. Não há mulheres vestidas com calças e muitas das jovens búlgaras são além de espampanantes, efectivamente muito bonitas. Penso na tragédia que é levar uma vida casta numa cidade como Sófia. Os níveis de hormonas no sangue podem atingir níveis tóxicos com facilidade. Lembro-me do Al Pacino no advogado do diabo: «Olha mas não toques. Toca mas não proves. Prova mas não engulas.»

Assisto pelo caminho a dois casamentos. Uma cerimónia religiosa ortodoxa, onde os noivos divertidos sorriem abertamente para um padrinho desajeitado que tem que trocar várias vezes coroas sobra as suas cabeças. Ao contrário das cerimónias católicas, os convidados parecem descontraídos e os sorrisos surgem com grande naturalidade.

Uma outra cerimónia no jardim do hotel, onde os convidados dançam música tradicional ao longo da piscina. Lembro-me do Emir Kusturika e percebo como, apesar de tudo, deve ser relativamente fácil recriar aqueles personagens.


| a moda búlgara | sófia | junho de 2007 |