sexta-feira, agosto 31, 2012

Princípios simples XXXVIII

Os outros somos nós.

| rue du noyer | bruxelas | 2012 |

sexta-feira, agosto 03, 2012

Ficção sobre 2012

Corre o ano de 2012. É um ano longínquo. Tão longínquo que nos podemos atrever a imaginar coisas excepcionais. Coisas muito mais excepcionais do que cuidados de saúde públicos de qualidade. Ou transportes públicos a preços simbólicos. Ou ensino universitário gratuito. Ou o fim do bacalhau mal demolhado nas cantinas.

É um ano excepcional. Há carros que flutuam nas ruas. Ou melhor dito, por cima delas. No código da estrada foi introduzida a prioridade aos veículos que se apresentem em descendente, tal como há prioridade aos veículos que se apresentem pela direita. Excepto os comboios que têm prioridade também quando vêm pela esquerda. E os caças bombardeiros que têm prioridade mesmo quando se apresentem em ascendente.

O rio Douro foi finalmente despoluído, a praia de Matosinhos deixou de ser conhecida como a praia do cagalhão. As pessoas podem ver a cara uma das outras enquanto falam ao telemóvel.

O acesso à informação está de tal forma disseminado que é o ano em que, pela primeira vez e em virtude do desenvolvimento tecnológico, os cursos universitários podem ser feitos em apenas um ano. E as pessoas misteriosamente sussurram nas ruas: "Vai estudar Relvas". E já ninguém sabe quem é o Dantas e se ele morreu ou não.

A sardinha é agostinha o ano todo. A nortada só aparece quando não está gente na praia e até a emissão da televisão pode ser parada para se ir aliviar águas num saltinho.

Ah quem me dera poder viver em 2012. Ou noutro ano qualquer no futuro. Cabrões de vindouros.

| aos saltos bem altos | ribeira | porto | junho 2012 |

quarta-feira, agosto 01, 2012

Duas coisinhas de nada.

Pondo o pé fora da porta, saindo de casa com o sol quente da manhã, eis que as primeiras palavras que ouço são: “então D. Adelaide [o nome é fictício para proteger os intervenientes], já estreou o seu bidé?”. De soslaio, por entre a nesga deixada pelos óculos de sol e o lado esquerdo da cara, observo a D. Adelaide [o nome é fictício para proteger os intervenientes, já disse isto, não já?] e invade-me o cérebro aquela imagem belíssima da D. Adelaide estreando o seu bidé [só o nome é fictício, o bidé deve ser real]. O picheleiro lá da esquina vai zelando com simpatia pelo bem-estar do quarteirão. Se bem que lá em casa o silicone do poliban tenha ficado bastante merdoso – e isto não é ficção.

Matematicamente um anúncio deve ser exacto. Por exemplo: se alguém muda de linha na estação da Trindade, pode apenas mudar para uma linha. O quê? É isso mesmo. Se saio da linha A, só posso mudar para a linha B. Ou para a linha C. Ou para a linha D. Mas nunca para a linha B, C e D. Não posso mudar simultaneamente para três linhas. E então surpreende-me a exactidão com que a voz anuncia em inglês, com aquele sotaque tipicamente português (sotaque? que sotaque? perguntar-me-ão todos os que ouvirem aquele anúncio em inglês perfeito mas com aquele sotaque tipicamente português): “connection with lines A, B, C, E or F”. “Or?”, pergunto-me. Não seria “and?”, pergunto-me. E com orgulho penso que a língua foi usada de forma matematicamente correcta.

Turistas, vinde acordar cedo. Não vos deixeis açoitar com queimaduras solares. Admirai a bela nação na bancarrota. E se virem portugueses a conversar de manhã bem cedo, ao sol da manhã, já saberão que discutirão bidés ou mapas de karnaugh. Um ou outro irá com a cabeça tomada por disparates.

| a puta da florzinha | gerês | março de 2012 |