sábado, dezembro 30, 2006

Princípios Simples XXII

Observar com atenção a opinião daqueles/as de quem guardamos uma secreta admiração.
Ainda que possa ser entendido literalmente "ouvir" e "escutar" são coisas subtilmente diferentes.


| Rabo de Peixe | S. Miguel | Açores | Junho de 2006 |

quarta-feira, dezembro 27, 2006

segunda-feira, dezembro 18, 2006

O melhor dos museus está fora deles.

Sempre que visito uma exposição de arte contemporânea, faço-o com aquilo que se pode chamar espírito aberto. Aceito sempre que possa gostar daquilo que vou ver, ainda que saiba que:
-a arte contemporânea, guardada num museu ou numa galeria, é uma palermice tão grande como manter animais selvagens num circo.
-a arte contemporânea não tem que ter nenhuma intencionalidade ou sentido - o que me incomoda. Sempre preferirei ver trabalhos de alunos da primária ou da pré-primária.
-a arte contemporânea é feita muitas das vezes como uma justificação de si própria, criando um círculo social de consenso onde o mérito se extraí a partir da dimensão da agenda de telefones.
-a arte contemporânea é chata e contraditória.

[parêntesis 1]

Por exemplo, em Bilbau, num dos mais prestigiados museus do planeta, a exposição permanente de um grande escultor, é uma forma de, digamos assim, criar no espectador uma interrogação na sua percepção do espaço, através de gigantescas chapas metálicas que podem ser percorridas a pé. No entanto, anúncios omnipresentes avisam que não podem ser tocadas. Arte é arte.

[parêntesis 2]

Um dia posso surpreender-me - um pouco como quem olha para Portugal. Uma das coisas extraordinárias que tem o nosso país é que se pode sair de casa em direcção a qualquer sítio, atirando sucessivamente a moeda ao ar em cada intersecção da estrada. Garantidamente, à chegada a qualquer terra, haverá um sítio onde se possa comer, sendo a probabilidade dessa surpresa ser agradável bastante elevada. Isto é uma verdadeira "instalação" de dimensão considerável.

A arte contemporânea não existe enquanto forma única e portanto acho que posso ser apanhado da mesma forma.

No entanto a arte contemporânea cumpre uma das mais importantes facetas da arte: diverte. Sobretudo se se lerem os textos idiotas que se escrevem sobre a mesma. Como este.




| arte! | the xy wall | porto | dezembro de 2006 |

domingo, dezembro 10, 2006

Princípios Simples XX

Os princípios simples devem - além de simples - ser poucos. Digamos menos de 20.
(:


| Porto de Rabo de Peixe | S. Miguel | Açores | Junho de 2006 |

terça-feira, dezembro 05, 2006

A novela das minhas vidas - assim mesmo sem concordância.

Um texto escrito aos 47 anos sobre as relações entre pessoas. Sentado em frente a uma espécie de computador muito diferente daqueles que por aí andam. Uma forma algo diletante de tentar verter alguma sabedoria de vida sobre coisas que não têm sabedoria nenhuma e poderiam ser explicadas facilmente por qualquer miúdo de dezasseis anos.

Uma palavra fundamental: desejo.

A verdade é que aos 24 anos quando os amigos se começaram a casar eu não percebi porquê. Aos 32 quando eles se começaram a separar eu não percebi porquê - mas ainda menos percebi porque é que se casaram. Aos 40 quando eles começaram a dormir todos uns com os outros eu não percebi nada - sobretudo porque é que alguns se separaram.

Mas aqui o que mais me incomodava era baralhar já o nome de todos os elementos dos proto-casais. Aos 54 anos quando os filhos dos amigos se começaram a casar eu desisti.

Portanto vou escrever sobre o quê, caralho?

Bom, algumas coisas fui percebendo. Isto cá em casa não é bem Portugal. Não faço qualquer tipo de juízo de valor sobre as vidas que os meus amigos vão tendo. Percebo que ali por volta dos 40 anos talvez eu próprio devesse ter aproveitado algum do entusiasmo colectivo. Mas não me arrependo de nessa altura me ter dedicado finalmente a ler os pós-modernistas franceses e os marxistas norte-americanos.

Aos meus amigos e amigas gostava de pedir que vão, que se venham, que se separem, que se juntem, que discutam, que se apaixonem, que berrem, que se beijem, que se apalpem, sejam bígamos, trígamos, celibatários, monogâmicos, fufas, maricas e até heterossexuais. Não se deixem morder a pouco e pouco por um subliminar sentimento de culpa de alguma coisa que não se sabe muito bem o que é.

Ah... e venham cá todos cá a casa de cada vez que vos apetecer. Eu tenho mais que fazer do que vos andar a convidar. Com uma chávena de chá da gorreana nas mãos, veremos o «Segredos e Mentiras», o «Invasões Bárbaras», o «Ódio» ou outro bom filme qualquer.

Esperaremos tranquilamente pelos 40 anos para nos enrolarmos finalmente uns nos outros. Eu vou tratando de comprar já os livros.


| The XY Project e um outro Project | Porto | 2006 |

quinta-feira, novembro 23, 2006

Princípios Simples XIX

Ter paixão no que se faz. O resto virá.


| Entroido | Entrudo | Carnaval | etc | Laza | Laça | etc | 2006 |

terça-feira, novembro 21, 2006

Princípios Simples XVIII

Digitalizar todos os negativos.


| tony's theme | the pixies | swimming in the caribbean | dois e mil e pouco |

terça-feira, novembro 07, 2006

Na verdade, é um fixolas.

Vou pensando alto, sem colocar pontos de interrogação.

É possível em Portugal ter um blogue de referência durante anos a fio, onde se discute de forma consequente e divertida toda a actualidade social, internacional, histórica e política. É possível fazer tudo isso sem qualquer pretensão de notoriedade pública ou de promoção própria. É possível que quem veja esta imagem não faça a mínima ideia de quem se trata, em que cidade habita, o que faz e o que estudou. Mas é até possível adivinhar quem é ele. Para tal, talvez tivessem que o conhecer de outras andanças. Se for o caso, disfrutem também disso no anonimato.


| J | nome fictício | Porto | Fevereiro de 2006 |

sábado, novembro 04, 2006

Mais uma marca mundial

Tal como a Carlsberg, provavelmente o tarifário mais complexo e o sistema de bilhetes mais besta de todo o planeta.

Minha senhora, passe-me por favor o livro de reclamações. Obrigadinho.

No passado dia 30 de Outubro fui confrontado com a impossibilidade de carregar o meu cartão andante gold com a assinatura do mês de Novembro. Dirigi-me à loja andante de S. Bento, onde foi confirmada a anomalia e onde me disseram que isso resultava de um minúsculo traço na superfície do cartão. Fui considerado a causa do problema e por essa razão vi-me obrigado a solicitar novo cartão pagando por isso cinco euros.

A minha reclamação prende-se com o facto de este custo não me poder ser imputado.

a) O cartão foi sempre conservado devidamente e a referida marca que é visível à sua superfície é ridícula, como poderá ser confirmada por quem o entender fazer.

b) O cartão é guardado na carteira ao lado de outros cartões electrónicos de funcionamento semelhante como cartões de acesso a edifícios, cartões bancários e cartões telefónicos, sendo este o único e primeiro caso em que algum deles deixou de funcionar.

c) não é compreensível que um cartão andante normal que custa 50 cêntimos seja flexível ao passo que um cartão que custa dez vezes mais tenha que ser transportado dentro de uma redoma.

d) uma vez confirmada a avaria do cartão, esta é uma avaria de um dispositivo electrónico que não resulta do seu uso indevido. Este tipo de dispositivos, tanto quanto sei, tem no nosso país um prazo de garantia de 2 anos. É essa garantia que deveria ter sido accionada nestas circunstâncias.


| a charanga | xinzo de Limia | entrudo ou carnaval ou entroido ou o carago | fevereiro 2006 |

sábado, outubro 28, 2006

A previsibilidade

Num daqueles momentos em que os velhinhos do nosso país são arrebanhados em autocarros até aos comícios dos partidos, lembro-me de ouvir ufano o Jorge Coelho, na altura em que ele era mais anafadinho, a afirmar:

«-Eu [ele] posso ter muitos defeitos [hãhã] mas uma coisa é que eu não sou!!! [hmmm... de esquerda?]
-Eu não sou ingénuo!!! [isto ele repetiu várias vezes subindo o tom de voz - o que deve ter aprendido naqueles livros sobre como falar em público]»

Eu que nunca tinha pensado que a ingenuidade pudesse ser um defeito fiquei um pouco perplexo com a minha própria (agora tenho que cometer um pleonasmo) ingenuidade.

Ora a previsibilidade, tal como a ingenuidade, não me parece que seja defeito e em em muitas coisas eu aprecio que @s meus/minhas amig@s sejam previsíveis. Pensemos, sei lá, na questão de certas escolhas que as pessoas fazem na vida.

Clique na imagem abaixo para ver as restantes da mesma série.


| eu já abortei | figueira da foz | camara de lobos | 2005 |

A sério que é a brincar.

Ficava ali a tarde toda, em biquinhos de pés, em cima do passeio, fazendo um esforço tremendo para que o ombro da senhora da frente não a incomodasse no momento em que passava a vedeta televisiva da novela brasileira da noite. Passava o corso, passavam adolescentes imberbes que fingiam gostar de dançar um samba pré-formatado - coisa que provavelmente nunca mais fariam em dias da sua vida -, passavam carros alegóricos com sátiras chochas-, passavam os casais de meia idade com as roupas tradicionais - com o tradicional cheiro a naftalina-, passavam as crianças vestidas de zorro ou de fada ou de homem aranha ou de princesa ou de polícia ou de enfermeira...

Não se pode dizer que aquilo fosse uma grande seca, até porque é sempre engraçado fugir à rotina. O problema era mesmo aquela sensação pesada nas pernas ao fim do dia, as dores nas palmas dos pés e o formigueiro no lombo. Juntava-se a tudo isso a lembrança de que desde os seus 31 anos já não tinha sexo digno desse nome e todos os gajos que lhe apareciam à frente eram umas abantesmas com tiques possidónios, mas sobretudo sem qualquer jeitinho para as palavras - coisa que para ela sempre foi determinante naqueles momentos leves de roupa no lusco-fusco do sofá da sala.

Normalmente lá no emprego sempre lhe davam a terça-feira e ela, como numa romaria, punha-se a caminho do sul com uma companhia de circunstância. Picou o ponto em todo o lado. Estarreja, Ovar, Torres Vedras, Nazaré e até Loulé... Sentia-se envelhecer de ano para ano.

Um ano tudo mudou. Através daquelas modernices do HI5, encontrou meia dúzia de amigos do secundário e embicou com eles para norte. As festas eram muito mais pequenas, mas como não era preciso ficar toda a tarde no passeio em pé, as pernas não doíam, nem as costas ficavam maçadas. Mas o melhor de tudo era que quando se enrolava com um galego bastava-lhe aquela entoação rústica das palavras para que a passagem do lusco-fusco da sala para a escuridão do quarto fosse sempre um percurso memorável.




| 8 pessoas importantes | contar como se se contassem os três mosqueteiros | xinzo de limia | entrudo ou carnaval ou entroido ou o carago | fevereiro 2006 |

segunda-feira, outubro 16, 2006

Saiba Sr. Presidente

Apesar de o meu corpo estar aqui agora, a minoritária inteligência que tenho ficou por ali a ocupar o Rivoli.

Adenda de dia 18.


| Ocupação pacífica do Rivoli | Rua do Dr. Magalhães Lemos | Porto | 16 de Outubro de 2006 |

terça-feira, outubro 10, 2006

Problemas de indexação linguística em motores de pesquisa :|

Aquela forma de falar da Sé era inconfundível e ouvia-o repetir com voz rouca conversas intermináveis cheias de expressões como: "desbaziar o lixo"; "tótil pessoal"; "afiambrar-me à gaja"; "não m'acredito"; "o géco parecia uma obeilha"; "o artolas era um grande pastor", "dei-lhe um biqueiro"; "oh p'as! é côro..."; "o moina deu de frosques" e evidentemente as frases acabavam sempre com um grande "que carago, fuogo, tás a ber a ideia?"

O divertido da questão era que o outro tipo, com aquele sotaque suave típico da cidade de Ponta Delgada, respondia divertido: "esse rapá nã é descréto"; "que corisco zabela"; "isse aí tá d'ardê..."; "tã riquinhe"; "fogo t'abraze"; "eu vou-te sofrê?".

A conversa não era bem uma conversa de surdos mas o problema maior era mesmo o da compreensão mútua. Enfim, ao fim do terceiro licor de maracujá do Ezequiel, aviado a meias com o licor de medronho da Micas lá de cima, não era tanto o conteúdo que importava. Um dia de manhã - o pormenor da manhã é fundamental - pensaram que talvez fosse altura de deslocarem a sua forma de expressão para um terreno comum. Puseram-se a falar em brasileiro de novela um com outro. A grande vantagem é que já não precisavam de se enfrascar para rirem como uns perdidos.


| PJV & SV | Porto | Novembro de 2005 |

sexta-feira, outubro 06, 2006

Isto não é um travelling journal.

Isto é um caderno feito por pessoas e não por people.
Isto é um caderno que tem desenhos e não drawings.
Isto é um caderno com fotografias e não pictures.
Isto é um caderno onde se escreve e onde não se encontram writings.
Isto é um caderno onde cada um faz o que lhe dá na real gana – o que não pode ser traduzido para estrangeiro.
Já o virei de pernas para o ar, já o folheei de trás para a frente, já o cocei com a ponta do dedo mindinho, já o observei a contraluz, já o cheirei de olhos fechados. Cheguei sempre à mesma conclusão. Isto é um caderno, não é um travelling journal.


| os peliqueiros de laza | entroido | entrudo | galiza | fevereiro de 2006 |

sábado, setembro 30, 2006

Conceitos.

Visto do exterior, Portugal só tem interior - o que diz muito.


| a barraca dos ciganos | entrudo | Xinzo de Limia | Fevereiro de 2006|

terça-feira, setembro 26, 2006

Regresso à adolescência.

Esta madrugada a minha mente ocupava-se com uma série de tarefas pendentes. Nenhuma delas tratava da fotografia. Várias delas resumiam-se a acabar com a presença de sais de prata cá em casa. Há poucas coisas como uma madrugada a curtir.



| Pelágio | Covadonga | Julho de 2005 |

sexta-feira, setembro 22, 2006

Espalhem a notícia.

De preferência ao som dos Clã. Sérgio Godinho para os/as mais ortodoxos/as.


| XY e a mãe | 5 dias antes de nascer | Porto | 2006 |

quinta-feira, setembro 21, 2006

Grátis.

Adquiri ultimamente o hábito de não comprar o meu jornal nos dias em que ele traz um suplemento "grátis". Para além dos ditos suplementos fazerem pouco jus à qualidade jornalística e fotojornalística do “Público”, fazem com que por coincidência o jornal custe mais do que os noventa centavos de euro dos restantes dias...


| Charanga Troulada | Chinço de Lima | Xinzo de Limia | Entrudo | Entroido | Fevereiro de 2006 | [fixador fora de prazo] |

Viajar.

Um dos interesses de uma viagem é necessariamente o contacto com outras vidas. Perceber como é viver de outra maneira é algo até de onírico.

Ver como os cubanos não sabem o que é um casaco, que em Toronto jantam sempre antes das sete da tarde, que em França é preciso sair para outra divisória para se conseguir lavar as mãos depois de fazer "aquilo", que em Itália os passeios são partilhados entre motorizadas e peões, que em Espanha se fala lindamente pelos cotovelos sem se dizer nada, que em Lisboa ninguém chega ao emprego antes das dez e não se começa a trabalhar senão às dez e meia depois do cafézinho da ordem...

Tudo isto são clichés e preconceitos. Mas isso é também o que nos ajuda a dar um mínimo de sentido empírico ao que nos rodeia. Nas viagens, serve para nos podermos rir no regresso, contando histórias aos amigos ou recordação futura de coisas fúteis que nos deram prazer quando ainda tínhamos a paciência para apreciar os defeitos dos outros.

Numa viagem é portanto preciso arranjar um autóctone. Esse bicho pode ser conhecido ao acaso mas com as maravilhas dessa coisa chamada internet até pode ser contactado previamente. Eu imagino-me a desenhar o perfil dessa pessoa. Alguém inteligente, equilibrado, com espírito crítico e com alguns interesses coincidentes com os meus.

De cada vez que me lembro de uma moça que nos acompanhou numa viagem pelos Cárpatos não posso deixar de chegar sempre à mesma conclusão: as viagens servem para aprender e por isso mesmo para riscar de vez os perfis de quem vamos encontrar. É isso a descoberta...

A propósito, eu também sou autóctone de um sítio qualquer - a quem quer que isso interesse.


| Metro do Porto | Estação Casa da Música | Porto | Fevereiro de 2006 |

terça-feira, setembro 19, 2006

Desejos que provavelmente não se cumprirão.

Com 68 anos, meter-me num avião até Montreal, atravessar o Canadá de lés-a-lés, tal Burt Monro, dormindo com velhas viúvas, fazendo amizade com travestis, tomando velhos remédios índios para a próstata.

Imaginando que o André ainda estará vivo nessa altura, será inevitável passar uma semana ou duas no Globetrotter de L'Anse-St-Jean a ler romances policiais junto ao fiorde depois de comer croissants caseiros logo de manhã cedo.


| Entroido | Entrudo | Xinzo de Lima | Fevereiro de 2006 |

quinta-feira, setembro 14, 2006

Memórias da inspecção militar

Dos três meios dias que a nobre instituição militar me obrigou a prescindir da minha vida, vem-me muitas vezes à memória uma das perguntas do questionário a que tive que responder para (assim imagino) traçarem de mim um perfil psicológico. A pergunta era: «Há alguém que deteste?».

Costumo lembrar-me disto muitas vezes ao ver o telejornal...


| Casa da Música | Porto | Fevereiro de 2006 |

quarta-feira, setembro 13, 2006

Velhos apontamentos

Nos meses de Julho e Agosto, com o refrear das fugas de autarcas para o Brasil, com a ausência de ministros a testemunhar em Monsanto, com a ausência de ocupações militares de países produtores de petróleo, os jornais desculpam-se dizendo que entramos na silly season. É um termo inglês, indecifrável q.b., mas particularmente fácil de perceber. Os jornais são a silly season. As nossas vidas são tão silly como no resto do ano. Pateticamente simples, não é?
[2003]


| Casa da Música | Porto | Fevereiro de 2006 |

segunda-feira, setembro 11, 2006

quinta-feira, setembro 07, 2006

O paradoxo da película a contra-luz

Apesar de uma fotografia de 500px ser demasiado pequena para poder ser genuinamente apreciada, nada dá mais prazer do que olhar para um negativo a preto e branco a contra-luz. Com ele ainda molhado e a pingar restos de Agepon, evidentemente.


| LD | não, não é o Camané | Porto | Fevereiro 2006 |

sexta-feira, setembro 01, 2006

2001

No que diz respeito à cidade do Porto, Kubrick falhou descaradamente a sua proto-profecia sobre 2001. A culpa não se deve sequer a ele mas ao super-computador Hal-9000 que as direcções do PS e do PSD partilham entre si de cada vez que ocupam a câmara da cidade do Porto.

Depois da rodagem do filme, o bicho foi considerado ultrapassado sobretudo para as necessidades ficcionais de Hollywood. Foi guardado num armazém qualquer de LA até ao final dos anos 70 e, como acontece sempre nestas coisas, lá foi despachado a preços de saldo para o terceiro-mundo. A história deve ser muito obscura e quase de certeza que envolve o acordo de utilização da base das Lajes. Agora que o Independente fechou, terminaram as nossas hipóteses de ver a verdade revelada sobre a forma como o computador chegou até à cidade do Porto.

Mas os sintomas são óbvios. Num país macrocéfalo, onde qualquer aprendiz de pedreiro que queira chegar a capataz tem que necessariamente migrar para Lisboa, também os Srs. do PSD e do PS - tanta ambição que têm de chegarem a capatazes - se vêem forçados a correr para a capital.

No seu lugar, para ir dando conta de uns recados, deixaram o Hal-9000 que vai saltando da Rua Guerra Junqueiro para a Rua Stª Isabel de cada vez que os dois partidos alternam na presidência da Câmara. Para quem viu o clássico do Kubrick já adivinha a continuação da história. O Hal9000 é um ser caprichoso, dotado de muita esperteza e incapaz de assumir quando se engana.

O Hal é só um computador. Os computadores tradicionais interagem através de periféricos como o teclado, o rato, o monitor... O Hal interage através de interfaces como Fernando Gomes, Nuno Cardoso, Orlando Gaspar, Rui Rio, Valentim Loureiro. Os computadores como Hal, devido à idade do seu sistema operativo, estão mais sujeitos a vírus por isso é natural que se consigam vislumbrar sintomas do Hal até em periféricos como Álvaro Castelo Branco, Rui Sá ou João Teixeira Lopes.

A verdade é que chegados a 2006 o Hal consegue ainda enganar toda a gente. Apesar da forma como foram desqualificados os espaços públicos da Cordoaria à Batalha (passando pois claro pelos Aliados), pelos abusos generalizados do Metro do Porto, pelo encerramento do Rivoli, pelo tratamento abaixo de cão a que é reduzida habitualmente a inteligência dos habitantes da cidade, ainda há quem pense que a culpa de tudo isto é dos políticos.

Parece que já ouço na sombra o José Mário Branco a rosnar cínicamente «a culpa é dos políticos» mas não, não é disso que se trata... Um taxista (aqui, quando se fala do "povo", convém referir um personagem que todos possam identificar facilmente - é uma questão de estilo, note-se) dizia-me há dias:
-A culpa disto é dos políticos!
-Não é não - respondi naturalmente.
-Não é? - aqui a indignação do tom de voz começou a subir como se se estivesse a discutir a própria honra do sr. Jorge Nuno Pinto da Costa (coisa imaculada, como se sabe).
-Não, não é. - sorri (sorrio sempre)
-Intão de quénhéquié?
Hesitei muito em falar-lhe do Hal9000 por isso respondi evasivamente:
-A culpa é de quem neles vota.


| Casa da Música | Porto | Junho de 2006 |

segunda-feira, agosto 28, 2006

Princípios Simples XVI

O importante não é o que se fotografa mas aquilo que (e porque) se escolhe mostrar.


| duas mulheres e um homem | sibiu | roménia | maio de 2005 |

sábado, agosto 26, 2006

Rolos fotográficos, raios-x e aeroportos.

Das coisas mais irritantes para quem quer que faça uma viagem de avião hoje em dia são os controlos de segurança elevados ao nível da paranóia colectiva. Para a minoria marginal que gosta de fotografar com filmes estes procedimentos são desagradáveis ao ponto de poderem estragar uma viagem.

Claro que se encontrar algum segurança educado e não particularmente zeloso das normas burocráticas - como já encontrei em Pedras Rubras ou Schiphol - até pode ser que observem os rolos fotográficos um a um. Se se apanhar um segurança como o que comigo se cruzou no aeroporto Leonardo da Vinci passam-se as máquinas de raio-x com a sensação que eles são recrutados nas tascas mais obtusas de Roma.

Não há grandes dúvidas que um rolo fotográfico sacudido duas ou três vezes não deixa dúvidas sobre o seu conteúdo. Se dúvidas houvesse, seria fácil arranjar formas simples de não os expôr aos raios-x - p. ex. sabendo o peso exacto de um rolo de 24 ou 36 exposições. Nos dias que correm não tenho grandes dúvidas que nos farão passar os rolos fotográficos em cada vez mais máquinas de raio-x. Museus, edifícios públicos e até os comboios estão cada vez mais sujeitos a este tipo de controlo.

[Lembro-me a este propósito da história do P. que se meteu a caminho da Grã-Bretanha de comboio para não passar os rolos nos raio-x e apanha com ele no Eurotunnel onde é obrigado a fazer uma cena "daquelas"...]

Evidentemente vos repetirão à exaustão que as máquinas são seguras... Se puxarem conversa com alguém que perceba um pouco mais do assunto, explicarão então que são seguras para os rolos típicos de 100asa... Os problemas surgem só a 3200 asa.

É aqui que o dono dos rolos se arrepia todo.

Vejamos então. Imagino uma viagem simples em que se transporta um rolo de 400 asa que será "puxado" a 1600 asa - algo bastante comum para quem fotografa com filme. Basta que o filme seja passado por duas máquinas de raio-x para que tenha o mesmo nível de "contaminação" que um filme de 3200 asa passado por uma só máquina. Um filme de 800 asa só precisa de passar por 4 máquinas de raio-x para que lhe aconteça o mesmo - o que acontece facilmente numa viagem de ida e volta com escala num grande aeroporto.

Se por acaso sobram rolos de uma viagem, o melhor é mesmo marcar aqueles que já passaram no controlo anti-terrorista (coisa que nunca faço) para que depois não fiquem com as imagens nubladas.

A melhor supresa está guardada para o fim. Pensar que despachar os rolos na bagagem de porão (como é agora obrigatório nos voos entre Londres e os EUA) resolve o problema é um terrível engano. Essa bagagem é também passada por máquinas de raio-x muito mais potentes que as da bagagem de mão e capaz de velar de uma só vez um rolo de 100 asa. Simpático. Quase tão simpático como os anormais que fazem segurança no aeroporto de Fiumicino.


| em preparativos para a semana santa | blaj | roménia | maio 2005 |

terça-feira, agosto 22, 2006

Limpeza higiénica da agenda de contactos.

Não sei se apago o teu número telefone da minha agenda pelas tuas convicções ou pela falta delas.

| cdm | foto quase falhada | porto | junho de 2006 |

segunda-feira, agosto 21, 2006

O homem que se baniu a si próprio.

Primeiro começou como uma coisa virtual. No tempo em que os sites de fotografia rareavam, o gajo foi banido do único que existia. Não por nada de especial, apenas por não praticar o lambebotismo do meio. Depois foi banido de meia dúzia de outros sites de fotografia. Depois começou a ser banido de sites tailandeses, onde se discutia a qualidade dos bordeis de Bangcoque. Por nada de especial, apenas por inserir versos de Álvaro de Campos em língua original, no meio de acesas discussões sobre massagens, cocktails tropicais e aquários de prostitutas.
A diversão é quase infinita. Por todo o lado havia sítios para ser banido. Sites de BTT onde inseria comentários insinuantes sobre selins e práticas sexuais, clubes de botânica onde comentava chás medicinais como se de bandas rock inglesas se tratasse, fóruns de discussão sobre novas tecnologias onde, em mensagens privadas, se fazia passar por uma ninfomaníaca de 28 anos natural de Fernão Ferro. De todos eles foi banido.
Um dia acordou particularmente bem disposto. Apagou o seu blogue, enquanto ria às gargalhadas. A internet é uma fonte de diversão inesgotável.


| as catraias L&L | foto quase falhada | mindelo | junho 2006 |

quinta-feira, agosto 17, 2006

recebe-se; envia-se.

«Estou num hotel de província nos confins da Inglaterra rural. Ao jantar, peço uma salada de entrada. Ao olhar para o prato agora pousado vejo pepino, pimento, tomate e alface. Do meio da salada, em cada recanto, vejo espreitar-me um magrebino que arranhou os costados ao sol de Almeria.»

«Estou sentado na telepizza de Aveiro. São onze e meia da noite. Peço pizza (óbvio), olho para a sala vazia, a televisão aos berros e os olhares mortiços por trás do balcão. Triste fado o de uma juventude que aspira a ser figurante na Floribella mas limita-se a trabalhar até à meia-noite em part-times que não dão sequer 300€.»

Como nas histórias infantis, antes do final, há sempre uma moral da história. A moral da história é que as saladas de Almeria são mais saudáveis que as pizzas de Aveiro. Estava para escrever qualquer coisa sobre quadros superiores, horas extraordinárias e viaturas de uso pessoal, mas parece-me que não é nem o dia nem o local adequado.


| cão de fila e outro nem tanto | foto quase falhada | S. Miguel | Açores | Junho de 2006 |

quinta-feira, agosto 10, 2006

Um jetlag intercontinental

Saí de casa quarta-feira às oito da manhã para ir trabalhar, como é comum em todas as quarta-feiras. Não imaginava que o meu dia de trabalho acabaria apenas no dia seguinte, já depois da uma e meia da tarde.

Trabalhar toda a noite de surpresa, faz com que se vão respondendo aos telefonemas de formas muito variadas.
-Por volta das sete da tarde imaginamos estar em casa às onze apenas para comer uma sopa antes de ir dormir.
-Às dez e meia da noite respondemos que só vamos jantar qualquer coisa ali perto àquela hora.
-Antes da uma da manhã já contamos chegar a casa apenas às seis ou sete para o pequeno-almoço.
-Às dez e meia da manhã já só se atende o telefone se fôr da administração. Ainda assim recordo-me vagamente de ter recebido um oportuno sms a perguntar-me se estaria muito atarefado.

Trabalhar toda a noite de surpresa encerra outras surpresas. A surpresa de ver o dia nascer enquanto se passa de uma sala técnica para outra. A surpresa de descobrir às nove e meia da manhã que a cada endereço MAC corresponde um ser humano [não digam a ninguém, mas esta manhã cheguei a falar com vários endereços MAC]. E a surpresa de descobrir o jetlag numa viagem de apenas uma hora.

De regresso à cidade, as pessoas comem lombo assado, arroz de polvo, bacalhau cozido ou feijoada à transmontana quando o corpo pede apenas um iogurte e uma bolacha maria. Na estrada as pessoas comportam-se como se estivessem a começar um dia quando o corpo pede para cair num sítio qualquer e dormir uma meia dúzia de horas. À noite, sentado numa cadeira de plástico ao relento, pensamos em telefonar a meia dúzia de pessoas. Todas dormem. O corpo não engana. As viagens intercontinentais são coisas profissionalmente lamentáveis.


| baptizado | foto quase falhada | Portugal | Junho 2006 |

terça-feira, agosto 08, 2006

PDI

No capot de um automóvel coberto de cinzas, tenho vontade de escrever, com uma letra muito bem desenhada: «Souvenir da Serra dos Castiçais» Assim, sem ponto final nem nada.
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No exército de Israel não é preciso fazer objecção de consciência. Basta declarar uma religião diferente da Judaica.
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No vidro do metro, colado de forma negligé, vejo um post-it que diz: «Quando te sentires só, liga-me. 968072218.». Parecia-me letra de homem.
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Num pinhal qualquer pode fazer-se um festival de verão. É uma boa desculpa para os adolescentes poderem dormir uns com os outros. Para isso têm que pagar um bilhete.
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Eu ainda sou do tempo em que tudo isto pareciam coisas particularmente estranhas.
:)


| sofá vermelho | foto quase falhada | praia do pópulo | açores | Junho 2006 |

terça-feira, agosto 01, 2006

A primeira noite depois do casamento.

Dia quinze de Agosto, depois de abandonar a festa do seu próprio casamento, depois de dançar todas as músicas idiotas que havia para dançar, depois de beijar todas as tias velhas que havia para beijar, depois de abraçar todos os balofos alcoolizados que havia para abraçar, atirou o fato para o canto do quarto, olhou para a mulher suada que roncava em cima da cama. Não tinha sono, mas sobretudo não tinha tesão para o que quer que fosse.

Vestiu de novo as calças do fato, roubou uma mola da roupa no estendal da vizinha e sem camisa percorreu numa bicicleta apaneleirada as ruas desertas da aldeia.

Vinte minutos depois o selim já tinha feito estragos para três dias...


| Jardim de Serralves | Porto | Junho de 2006 |

sexta-feira, julho 28, 2006

quarta-feira, julho 26, 2006

Do outro lado do espelho, a guerra.

«(...) há o caso do Mensageiro do Rei. Está neste momento na prisão, a cumprir a pena; mas o julgamento não começa senão na próxima quarta-feira. E é claro que o crime só vem no fim de tudo.
-E se ele nunca chegar a cometer o crime? - perguntou Alice.
-Tanto melhor, não é? - disse a Rainha, enquanto prendia adesivo à volta do dedo com uma fita.
Alice achou que não podia de maneira nenhuma negar isso.
-Claro que seria muito melhor - disse ela -, mas o que não seria melhor era ele ser castigado.
-Seja como for, estás enganada nesse ponto - disse a Rainha. - Já alguma vez foste castigada?
-Só quando fiz maldades - disse Alice.
-Pois tanto melhor para ti, estou certa disso - afirmou a Rainha, triunfante.
-Está bem, mas é que eu fiz mesmo as maldades por que fui castigada - disse Alice -, e aí é que está a diferença toda.
-Mas se não as tivesses feito, teria sido ainda melhor; muito melhor, muito melhor, muito melhor!
A voz dela ia subindo mais alta cada vez que dizia "melhor", até se tornar por fim num verdadeiro guincho.
Alice ia explicar: "Há qualquer coisa que não está certa..." quando a Rainha começou a gritar tão alto que teve de interromper o que estava a dizer.»


Alice do outro lado do espelho, Lewis Carroll. Tradução de Vera Azancot; Publicações Europa-América.


Ser rainha implica várias coisas. Entre elas definir regras sobre:
a)quem deve ser castigado e com que pretexto.
b)quem tem razão em qualquer discussão e quem não a tem.
c)de que maneira os vassalos devem gramar calmamente a gritaria do poder.


| Rabo de Peixe | Açores | Junho de 2006 |

terça-feira, julho 25, 2006

E milícias populares armadas de auto-tanques de combate ao lume...?

Um fogo precisa necessariamente de um comburente e de um combustível. O comburente é normalmente o elemento mais complicado de explicar para alguém que esteja a dar os primeiros passos em química. Metaforicamente um comburente pode ser explicado pela descrição de uma sequência de telefonemas realizados ao final da manhã de um dia qualquer da semana passada.

Quem viajar ao longo da A4, que liga Amarante ao Porto, pode facilmente encontrar uma série de instalações industriais, desde as famosas fábricas de móveis da Rebordosa, à Lear que se prepara para ir lucrar para outro lado, passando pelas mais variadas cadeias de hipermercados. Mas quem nos interessa nesta história é a fábrica de fogões Meireles situada ao quilómetro 22.

O quilómetro 22 não é um pormenor negligenciável, não senhor. É importante por exemplo para uma denúncia de um acto, digamos assim, de vandalismo. Imaginemos que alguém, nesse percurso de auto-estrada verifica que, em pleno mês de Julho, outro alguém (dentro das instalações dos tais fogões Meireles) se dedica a queimar resíduos em bidões metálicos, com labaredas de metro...

Como se desenrola o processo? Um cidadão preocupado liga naturalmente para o 117. O que é o 117? É a linha de emergência para incêndios florestais. Ok.

-Sim, ahh, é um terreno particular? Pois. E só estão a queimar coisas em contentores? Pronto. Olhe, a verdade é que não podemos fazer nada.
-Não podem fazer nada?
-Só actuamos em caso de incêndio. Terá que ligar para o 112.

[Desliga o telefone. Marca 112.]

-Sim, muito bem, mas terá que ligar o 117.
-Pois, percebo, mas acabo de ligar o 117 e pediram-me para contactar o 112.
-Vamos fazer uma coisa. Vou passar a chamada para a GNR da zona.

[Chamada transferida.]

-Nós podemos até tomar conta da ocorrência. Podemos mandar lá uma patrulha, mas a verdade é que quando lá chegarem o mais natural é já não encontrarem nada.

[neste momento, ainda que não se tenham apercebido passaram mais de 15 minutos, desde a passagem no famoso quilómetro 22. Os cidadãos zelosos estão já a pensar no almoço que os espera no final da viagem e começam a pensar que isso é infinitamente mais importante do que deixar o país arder de lés-a-lés.]

-Muito bem. Então o que é que se pode fazer?
-Ligue a linha SOS Ambiente. É o mais indicado para lidar com estes problemas.

[a chamada é desligada e a partir daqui o cidadão começa, ainda que pouco, a pagar do seu bolso o bem do seu país. O país merece uma chamada para um número azul.]

-[sinal de chamar] [silêncio] [sinal de chamar] [silêncio] (...)
Ninguém atende. Talvez seja melhor voltar a ligar.
-[sinal de chamar] [silêncio] [sinal de chamar] [silêncio] (...)
Pois é. Ninguém atende.

O comburente é uma metáfora rebuscada sobre a lassidão.
O combustível é bem mais fácil de explicar. É aquilo que faz com que desde o servente, ao director de uma fábrica, todos achem normal queimar resíduos a céu aberto. O burgesso é o combustível, o país é o comburente. Para todos eles deveria haver uma linha SOS.


| Estação de S. Bento | Porto | 2003 |

sábado, julho 15, 2006

Sabes por isso que não as mostro a qualquer um.

O pior das fotos das férias não é sequer aquela sensação que deixam de uma saudade putinha que morde devagarinho naquele sítio das costas onde não se consegue chegar nem com uma mão nem com outra. O pior é pensar que grande parte delas só serve mesmo para nós. No dia em que nos formos, as fotos desaparecerão como as mensagens da missão impossível que se auto-destroem ao fim de dez segundos.


| Gruta das Torres | Ilha do Pico | Açores | Junho de 2006 |

sexta-feira, julho 14, 2006

São rolos senhor, são rolos.

Guardo, por revelar, mais de meia dúzia de rolos. Não sei sequer o que contêm. Não sei sequer quando os expus à luz. Um dia, organizá-los-ei por sensibilidade e, começando pelos mais sensíveis para os menos sensíveis passarei uma noite de cócoras no quarto de banho. Terá passado mais de um ano sobre a data em que fotografei com o mais antigo de todos eles. Nessa altura, depois de os secar, de os cortar seis a seis e de os arquivar em crepitantes folhas de papel vegetal, escreverei um texto no meu blogue que começará da seguinte forma:
«Guardo, por digitalizar, mais de meia dúzia de rolos.»


| Chinês | Porto | Noite de S. João | 2005 |

quarta-feira, julho 05, 2006

Princípios Simples XV

[Em condições comparáveis] É mais importante escolher as pessoas com quem se trabalha do que propriamente as funções que se desempenham.

O verbo pode ainda ser estudar; brincar; passear; divertir; viver - com as devidas variantes.


| S. Bartolomeu do Mar | 25 de Agosto de 2005 |

Como quem olha para as nuvens no céu.

* Olha pá, sabes que quando mudei de emprego, uma das coisas que mais pesou na decisão foi o facto de sair de casa de manhã com a sensação nítida que me ía enfiar num covil. O ambiente era tão mau, que cheguei a receber solicitações por correio electrónico de pessoas que trabalhavam a dois metros de mim.

# Isso acontece-me muitas vezes. O que eu faço normalmente é pô-los na pasta do spam.

* Enfim. Agora, neste novo emprego, por volta das 8:45h, mal me sento para começar a usar pela primeira vez o neurónio, aparece-me um gajo que insiste em ir tomar café.

# É panasca?

* Não. O tipo até é simpático mas como ouve a TSF enquanto está no quarto de banho, tem sempre uma discussão estéril sobre qualquer assunto da actualidade. Não é bem uma discussão, porque na verdade ele limita-se a falar praticamente sózinho.

# Portanto agora tens bom ambiente de trabalho, mas tens que gramar com uma lapa todas as manhãs...

* É um pouco isso. Um destes dias, enquanto estávamos na câmara escura, aproveitei para lhe deitar revelador nos sapatos. Agora, enquanto ele fala, entretenho-me a imaginar formas para a mancha que de dia para dia vai aparecendo na camurça.


| Cinema Batalha | Porto | Junho de 2006 |

sexta-feira, junho 30, 2006

As taras de Malaquias.

Ao atravessar o corredor, no meio da gente molhada pela chuva matinal, olho-o na face. A caminho do emprego, a mesma expressão atenta e opaca, o mesmo caminhar pausado e determinado. Um chapeu ridículo na cabeça.

Preparei-me para estender o braço e pará-lo. Levantar-me do banco e conversar durante a curta viagem. Afinal de contas conhecemo-nos desde o ensino secundário. Partilhamos amigos, conversas, discos de vinil, ensaios de bandas em garagens, concertos entre gente conhecida.

Não senhor. Não abri o bico. Deixa-o ir. Que se foda. O gajo de manhã é um chato. Fala alto que se farta. Só despeja banalidades e quando fala sério não dá uma para a caixa. Ainda por cima estou bem sentado.

O dia começa assim. Entre desconhecidos arrepiantes e um conhecido banal, preferi os primeiros, a quem não nego uma palavra simpática de cada vez que a mim se dirigem.

Ultimamente até por mail o faço. Não consigo dizer: que se foda. E os desconhecidos continuam a imaginar-me como um elfo: uma criatura simpática, mágica e maravilhosa. Mais uma lenda, portanto.


| Casa da Música | Porto | Junho de 2006 |

quarta-feira, junho 28, 2006

Bela Lugosi's Dead

Aos 16 anos compra-se uma t-shirt dos Bauhaus. Daquelas t-shirts que só se compram aos 16 anos. Quando aos 21 nos oferecem uma t-shirt dos Fields of the Nephilim apreciamos, agradecemos mas só a usamos quando o rei faz anos. Como vivemos numa república a t-shirt vai ficando esquecida por baixo daquela outra da Siouxsie comprada num memorável concerto na Figueira da Foz.

Muitos anos depois começamos a apreciar, mais do que os originais, as versões languidas que se vão fazendo. Até os Dead Kennedys descobrem um charme quase pueril.

Há muitos anos, um dia à noite, enquanto ouvia pela primeira vez a guitarra do Ry Cooder do Paris Texas, num velho programa da Antena 1, estava longe de imaginar que tudo se repetiria. Versões dos Gotan Project, versões dos Nouvelle Vague, versões variadas do Gainsbourg feitas por desconhecidas, mas aparentemente muito famosas vedetas do pop-rock britânico. Visitas guiadas à adolescência.

Nada me tira da cabeça que o primeiro sintoma de tudo isto foi a versão do Head On feita pelos Pixies. Lá diz o Fernando Alves, há que estar atento aos sinais...

Aqui podes encontrar a letra da música dos Bauhaus e para quem ler inglês, um artigo sobre a mesma.


| Retrato [quase] Falhado | Porto | Junho de 2006 |

terça-feira, junho 27, 2006

Princípios Simples XIV

Manter sempre dois rolos de papel higiénico no quarto de banho, à distância de um braço.


| Aldeia da Cuada | Casa da Esméria | Ilha das Flores | Açores | 20 de Junho de 2006 |

quarta-feira, junho 14, 2006

Bordado com cores vivas no elástico da cueca.

Desde há uns anos, quando os problemas orçamentais afectaram pela primeira vez a congregação do Sagrado e Espirituoso Coração Venerável da Virgem Santíssima da Trindade de Nossa Senhora, que as irmãzinhas se habituarem aos patrocínios comerciais no seu hábito. Na verdade as freiras em muito pouco se distinguiam agora de um ciclista em final de etapa.

Apesar de tudo isto foi com alguma surpresa que o Sr. Presidente do Conselho de Administração recebeu na sua secretária um pedido para que o BCP patrocinasse a costura da roupa interior das irmãzinhas. Depois da surpresa inicial, olhou para o seu assistente, também ele membro da Opus Dei, que lhe sorriu de forma cúmplice. Nem sequer os rituais iniciáticos são agora como eram no seu tempo.

Inspirando fundo, lembrando-se da irmã Rosa há 26 anos atrás, rabiscou o papel e foi tomar café. Os novos membros certamente não esquecerão o banco...


| Retrato [quase] Falhado | Porto | Junho de 2006 |

sexta-feira, junho 09, 2006

Plataformas petrolíferas ao pôr do sol.

Já a mais de três horas e meia de caminho a partir de cidade, quando encontrou por acaso um vizinho velhote sentado ao fim da tarde à volta de uma fogueira mortiça, sentou-se. Com os olhos perdidos nas crianças que apareciam e desapareciam no meio do arvoredo, deu consigo a pensar nas velhas histórias do Enki Bilal que o seu pai lhe tinha dado a ler pela primeira vez em 2024, quando, com 18 anos, se meteu pela primeira vez a caminho de Timor.

Afinal o apocalipse aparece de mansinho. Primeiro todos vêem pequenas notícias na televisão que não se percebem muito bem. Depois surgem notícias e notícias menos vistosas que a maioria vai considerando alarmistas. Finalmente a colónia muda pela terceira vez de mãos.

Tira o passaporte do bolso de trás das calças e vai desfolhando-o como se estivesse de novo em casa com as BDs do seu pai na mão. Primeiro as do Jodorowsky, depois as do Bilal e finalmente as do Júlio Pinto. Com essa ideia na cabeça sorriu para o vizinho velhote, guardou o passaporte e foi fotografar as crianças.


| Não respire. Pode respirar. | Porto | Outubro de 2005 |

segunda-feira, junho 05, 2006

Uma questão de design de interiores.

Ao entrar na tabacaria do costume toca o telefone. Um número qualquer aparece no visor. O elfo que vive dentro do telemóvel não soube indicar quem era. Bom, atende-se e já se vê.

Era o Sr. Teixeira. Quem era o Sr. Teixeira? Quem era o Sr. Teixeira?
(apontando para uma revista à srª da tabacaria)

Ahhh! Da imobiliária não sei o quê. Perfeitamente Sr. Teixeira!
(tentando com uma só mão pagar a dita revista, enquanto que a outra segura o telemóvel)

Claro que me recordo. Sim. Sim. Ahhhh. Não. Não estou interessado. Já tenho o problema resolvido. Pois. Sei. Pois. Obrigado.

Desliga o telefone. Olha duas vezes para a tabacaria lá atrás. Olha duas vezes para a revista. Porra! Como é que comprei uma revista de decoração?


| Re-aparição de S. JoaoLuc às pastorinhas | Coimbra | Maio de 2006 |