sábado, outubro 28, 2006

A sério que é a brincar.

Ficava ali a tarde toda, em biquinhos de pés, em cima do passeio, fazendo um esforço tremendo para que o ombro da senhora da frente não a incomodasse no momento em que passava a vedeta televisiva da novela brasileira da noite. Passava o corso, passavam adolescentes imberbes que fingiam gostar de dançar um samba pré-formatado - coisa que provavelmente nunca mais fariam em dias da sua vida -, passavam carros alegóricos com sátiras chochas-, passavam os casais de meia idade com as roupas tradicionais - com o tradicional cheiro a naftalina-, passavam as crianças vestidas de zorro ou de fada ou de homem aranha ou de princesa ou de polícia ou de enfermeira...

Não se pode dizer que aquilo fosse uma grande seca, até porque é sempre engraçado fugir à rotina. O problema era mesmo aquela sensação pesada nas pernas ao fim do dia, as dores nas palmas dos pés e o formigueiro no lombo. Juntava-se a tudo isso a lembrança de que desde os seus 31 anos já não tinha sexo digno desse nome e todos os gajos que lhe apareciam à frente eram umas abantesmas com tiques possidónios, mas sobretudo sem qualquer jeitinho para as palavras - coisa que para ela sempre foi determinante naqueles momentos leves de roupa no lusco-fusco do sofá da sala.

Normalmente lá no emprego sempre lhe davam a terça-feira e ela, como numa romaria, punha-se a caminho do sul com uma companhia de circunstância. Picou o ponto em todo o lado. Estarreja, Ovar, Torres Vedras, Nazaré e até Loulé... Sentia-se envelhecer de ano para ano.

Um ano tudo mudou. Através daquelas modernices do HI5, encontrou meia dúzia de amigos do secundário e embicou com eles para norte. As festas eram muito mais pequenas, mas como não era preciso ficar toda a tarde no passeio em pé, as pernas não doíam, nem as costas ficavam maçadas. Mas o melhor de tudo era que quando se enrolava com um galego bastava-lhe aquela entoação rústica das palavras para que a passagem do lusco-fusco da sala para a escuridão do quarto fosse sempre um percurso memorável.




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