Tenho em relação a este referendo tentado manter uma certa frieza. Não é uma frieza de indiferença, negligência ou alheamento. A verdade é que como provavelmente muita gente favorável à mudança da lei, parece-me que há muito pouco a discutir naquilo que tem sido uma campanha marcada sobretudo pelo campo dos criminalizadores. A minha frieza é uma distância que me é proporcionada pela pobre garantia que terei de poder colocar uma cruz pela mudança da lei.
No meu blogue raramente me dirijo a quem me lê. Gostaria até de imaginar que em certos momentos ninguém me lê e que as pessoa que aqui vêm o fazem exclusivamente pela fotografia. A verdade é que não sei quem me lê. Tenho para ali um contador que é uma intromissão na privacidade dos meus visitantes e que por diversas vezes ponderei apagar. Tenho um endereço de correio electrónico que, se bem me lembro, só foi usado uma ou duas vezes. Abreviando, para além de alguns familiares e amigos que sei que olham para isto e sabem o que penso das coisas, não faço ideia nenhuma de quem me lê nem o que pensam das fotos que vêem. Não faço links nos posts para outros blogues. Os meus amigos sabem que os admiro e não preciso de o dizer a cada passo.
Por isso nessa minha frieza nunca pensei escrever nenhum relambório sobre o referendo. Não gosto de discutir esta questão com ninguém. Tenho-a discutido com pouquíssimas pessoas e poucas são aquelas que reconheço como merecedoras de algum tipo de argumentação / contra-argumentação.
Até que esta manhã ao abrir a minha caixa de correio, encontro uma filha da puta de uma apresentação PowerPoint, enviado por uma besta que comigo trabalha. Foda-se lá o gajo.
[agora, caro leitor, cara leitora, desculpem a linguagem sexista, mas é que eu sou do Porto e revelo-me tal incrível Hulk quando fico agitado.]
Como é natural toda a apresentação está cheia de mentiras sobre tudo e mais alguma coisa. Sobre a lei, sobre a sexualidade, sobre questões familiares, sobre a "vida" e - pelo caminho - sobre mim próprio, fazendo insinuações insultuosas sobre quem discorda da criminalização. Ora que caralho!
A campanha para este referendo tem sido particularmente mais moderada que a campanha de 98. Moderada no sentido em que se acentua o carácter liberal da mudança da lei, deixando a responsabilidade (e a liberdade - aliás indissociáveis) do lado da cidadã. Eu que acho que sou muito mais (ou muito menos) que liberal aceito essa argumentação (que não é a minha) e subscrevo-a em grande medida.
A campanha de quem defende a criminalização é muito dura porque se fundamenta em mentiras, mentiras essas que têm um pano de fundo ideológico e cultural profundo: Portugal é um país atrasado, conservador e regra geral muito pouco esclarecido. É o país dos treinadores de bancada em que todos podiam ser primeiro-ministro mas ninguém quer ser administrador de condomínio. O meu preconceito diz-me que o mundo dos blogues é um bom exemplo disso.
[Aproveito para fazer uma declaração de amor à Ana Sá Lopes, dando graças por saber que ela não votará no PSD tão cedo.]
Mas a questão levantada pelo Portugalzinho que me entrou pela caixa de correio esta manhã é uma discussão de crenças e de fé. É uma discussão sobre o medo que há em assumir responsabilidades (sobretudo ao nível sexual) mas sobre a facilidade que temos em apontar o dedo à vizinha. E é sobretudo uma discussão profundamente masculinizada onde, apesar da palavra "vida humana" encher a boca de muita gente, discute-se muito pouco aquilo que são precisamente os direitos que temos nas nossas vidas (humanas).
[Nomeadamente o direito a não ter a tutela da igreja no nosso sistema jurídico e de saúde.]
A minha vida já teve abortos. No plural. Quero que o meu colega os meta pelo cu acima. Metaforicamente. Não me fodam, já basta o que já basta.
Caro leitor, cara leitora, ainda esta tarde conto ter ali do lado direito o maior banner que encontrar a apelar ao voto sim no referendo. Mandei a frieza às urtigas.
| Rabo de Peixe | S. Miguel | Açores | Junho de 2006 |
5 comentários:
só para que saibas, eu sigo o blog por RSS, principalmenet pela fotografia. Força aí
Um abraço. Pá
:)
Fazes bem, há coisas que não se podem fundir a frio, é preciso fodê-los a quente. ;)
EHH lá- estavas mesmo zangado........também me mandaram um powerpoint (foi um antigo colega nosso da FEUP que agora trabalha na camara de lx) com uma tanga em que apareciam uma imagens do embrião e com umas palavras que só falavam em amor e vida e como os embriões são tão boas pessoas ( não sei como é ainda não ganharam o premio nobel da paz :) .....) e depois no final dizia para votar não no referendo do dia 11. Fiquei preplexo com aquela tanga e apaguei aquilo, agora que ví a tua resposta tenho pena de também não ter respondido. Afinal umas caralhadas na linguagem não matam ninguém :)
Um abraço,
Ricardo G.
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