sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Sim.

«Falarei apenas sobre aquilo que sei e daquilo que faço. O aconselhamento genético
de famílias com doenças hereditárias graves apenas me tem convencido, cada vez
mais, de que a vida é um contínuo, desde que começa até que um dia acaba.
Contínuo e gradual. Eu sei (e vocês sabem) que um embrião num laboratório ou já
no útero da mãe não é a mesma coisa que um feto às 8 semanas. E um feto de 10
semanas (porque é disso que estamos a falar), não é a mesma coisa que um feto às
24 semanas e ambos são diferentes de um recém-nascido ou duma criança já com 2
anos.

É por isso que as mulheres escolhem o método de diagnóstico pré-natal mais
precoce possível. Que, no caso do feto ser afectado, permita uma interrupção mais
precoce. Até os adeptos do “não” pensam e sentem da mesma maneira.
Durante o seu desenvolvimento contínuo, o embrião e o feto passam por diferentes
etapas. Será que então uma vida humana começa quando bate um coração? O
coração bate sozinho. Um coração bate na mão de um cirurgião, desligado já de um
corpo. O coração continua a bater depois da morte cerebral, quando todos aceitam
que já não há uma vida humana. E, maravilha das maravilhas, simples celulazinhas
do coração (não o órgão inteiro), obtidas a partir de células estaminais, contraem-se
sozinhas numa placa de vidro, no laboratório. Só às 12 semanas o coração é um
órgão funcionante e só às 16 semanas o aparelho circulatório está pronto a funcionar.
E, se tudo o que é vivo se mexe, até as bactérias e os vírus se mexem. Até os
espermatozóides e os óvulos se mexem. Da mesma forma que uma anémona do mar
se contrai quando lhe tocam, também o feto humano às 10 semanas tem movimentos
reflexos e involuntários, mas ainda não tem dor.

Os receptores da dor começam a formar-se entre as 8-15 semanas, mas são como
tomadas sem corrente num edifício em construção: a electricidade só é ligada
quando passa a ser habitado. Ou seja, depois das 24 semanas, quando se iniciam as
ligações ao córtex cerebral. Mas o ocupante só se muda muito provavelmente às 30
semanas, quando os EEGs mostram pela primeira vez que já consegue estar
“acordado”.

O feto de 10 semanas não tem vontade, não tem vigília, nem consciência. Não tem
dor.

Provada, essa sim, está a dor das mulheres que sofrem as complicações de saúde e as
consequências legais dos abortamentos clandestinos. Por isso há que tentar acabar
com ela, aqui, como foi sucedendo em tantos outros países.
A dogmas diversos o “NÃO” acrescentou agora a fraude e a argumentação pseudocientífica.

Ninguém sabe (ninguém pode saber) quando começa uma vida humana.
Não há argumentos científicos neutrais. A ciência não tem respostas para perguntas
filosóficas ou teológicas. O papel da ciência é fazer perguntas. É pôr os dogmas em
causa, desconstruir mitos e crenças, e fortalecer as nossas convicções.
Pela minha parte, estou cada vez mais convicto. Por isso, sou um médico pela
escolha.

Mas nós, Médicos pela Escolha, não estamos sozinhos. A Associação Médica
Mundial defende claramente que “não é à classe médica que compete determinar as
atitudes e regras de qualquer estado ou comunidade nesta matéria”. E a Federação
Internacional de Ginecologia e Obstetrícia recomenda que “após aconselhamento
apropriado a mulher deve ter direito a acesso a um abortamento induzido”, que “a
interrupção por razões não médicas deverá ser feita no Sistema Nacional de Saúde
ou por um serviço de saúde sem fins lucrativos”, e que “os serviços de saúde têm
obrigação de fornecer esses cuidados da forma mais segura possível”.
Raro, seguro, precoce e gratuito.

A vitória do SIM não vai acabar de um momento para o outro com os abortamentos
clandestinos, mas é indispensável para que as mulheres que fazem a escolha de
abortar, em condições psicológicas e sociais difíceis, o façam em condições de saúde
e segurança. O que nunca poderá acontecer enquanto a Lei as considerar criminosas.
Por isso, voto SIM. Para que não cheguem aos bancos dos tribunais. Para que lhes
sejam abertas, finalmente, as portas dos hospitais.»

Porto, 8 Fevereiro 2007
Jorge Sequeiros



| À chuva no Panteão | Roma | Dezembro de 2005 |

1 comentário:

filipelamas disse...

Parabéns pela qualidade do blog!