quinta-feira, junho 08, 2017

2017, o ano que passou.

Passou 2017. Ainda não passou exactamente, mas olho para o calendário e vejo que não está longe o fim.

Passou 1984 há muitos anos atrás. Estava em Darque de férias com o resto da canalhada. Discutíamos entre nós para onde gostaríamos de ir viver enquanto adultos. Podíamos estar horas a discutir se Inglaterra era melhor que França ou se alguém poderia usar como resposta "América". Era relativamente evidente que ninguém podia responder América. Qualquer outra resposta era vagamente plausível mas nem uma criança acreditaria que alguém poderia algum dia ir de Darque para a América. Seria mais plausível querer ser astronauta.

O futuro estava muito longe mas a morte estava mesmo ali ao virar da esquina sem que ninguém desse por ela. Sem qualquer supervisão íamos para o rio Lima de manhã e de tarde. Nem adultos, nem coletes, nem muito juízo. Atirávamos torrões, apanhávamos camarões e deitávamos a mão àqueles que se atrapalhavam porque mal sabiam nadar. Era preciso cuidado quando a maré subia: a corrente puxava e certas ilhotas ficavam isoladas. Havia um puto mais velho, com 13 ou 14 anos que pastava as vacas ali no meio. Certo dia uma das vacas não conseguia sair dali e lá fomos todos em bando a correr para assistir impotentes ao desespero do rapaz.

Passou quase 2017. Não faço ideia onde está um único daqueles meus companheiros. Na altura eram os meus melhores amigos. Não me lembro de um único nome. Lembro de me atirar à água para lhes dar a mão. Lembro de pensar que ficaríamos ali os dois enquanto bebia demasiados golos de água do rio Lima com os olhos abertos na água castanha. Lembro-me de a minha mãe me dar 100$ que gastei em chicletes que custavam 1$ cada. Lembro-me de achar que a minha mãe não estava a falar a sério quando me disse que podia fazê-lo. Lembro-me que o homem da mercearia de Darque me vendeu as chicletes sem ter a certeza se o deveria fazer. Lembro-me de ser pasto dos mosquitos ao final do dia.

Nunca pensei que algum dia pudesse ter saído de Darque para o mundo. Nunca pensei que pudesse gostar tanto da minha terra tão bonita (a minha mesmo, não Darque - acho que só voltei a Darque para ir a um hipermercado. Aquilo agora é uma terra a sério). Nunca pensei que me pudesse custar tanto deixá-la para trás. Nunca pensei pensar que deixá-la só podia ter sido o melhor que me podia ter acontecido.

Em 2017 não é preciso esperar que nos cheguem as notícias através do Jornal da terra, trazido em mão por alguém que nos visita. Pode-se saber tudo abrindo o Facebook, assistir ao banal e perguntando-se como pode tanta gente perder tanto tempo com tão pouco. Imaginar o principezinho passeando-se pelo meio daquilo tudo a repetir como um bêbado cambaleante: "o essencial é invisível ao olhar...". Saber que ninguém na verdade quer saber do Convento de Cristo, nem estariam dispostos a dar 50€ do seu salário para o salvar. Saber que ninguém quer saber de ninguém para nada, que todas as fotos patéticas são bajuladas. Que os vídeos engraçados são uma montra de quão engraçada é a mediocridade geral. Que poucos defenderiam o Salvador como colega de trabalho se não fosse agora o Ronaldo da Eurovisão.

E depois ouvir lentamente o Mark Kozelek escrever sobre a minha terra (a tal que não é Darque).... E depois emocionar-me ao saber que ele fala verdade quando diz que quer as suas cinzas espalhadas no Douro... E depois fazer um sorriso amarelo e pensar que ele não percebeu nada do assunto... E daqui a umas semanas voltar ao Facebook para ter a certeza que não ando a perder nada e confirmar que não. Não ando a perder nada e que só se perdeu aquilo que não se fez. Como daquela vez que, cheio de pudor, não beijei alguém na boca. E essa mulher já morreu. E saber que ninguém no Facebook saberá disso nem quer saber dessa merda para nada. Nem eu na verdade.

E apreciar uns poucos amigos. Aqueles que não precisam de likes. Rir com o seu sarcasmo. Ler as palavras simples e sinceras de quem gosta de nós e saber que isto no fim de tudo se resume a coisas muito simples tão difíceis de explicar. E para isso não é preciso Facebook para nada. E guardar escondido aquele medo de não me lembrar do nome de alguém, como se não me lembrasse de mim próprio.

|Museu Neanderthal | Mettmann | Abril 2017 |

1 comentário:

Cremilde disse...

A foto está linda