[continuação]
Deveres
O narrador tem o dever de não se crer superior aos seus semelhantes. Qualquer concessão à obsoleta imagem idealista e romântica do narrador como uma criatura mais sensível, em contacto com dimensões mais elevadas do ser, inclusivé quando escreve sobre absolutas banalidades quotidianas, é ilegítima.
No fundo, também os aspectos mais ridículos e circenses do ofício de escrever, baseam-se numa versão degradada do mito do artista, que se converte em divo porque se crê de algum modo superior ao "comum dos mortais", menos mesquinho, mais interessante e sincero, com um certo sentido heróico, pois carrega os tormentos da criação.
Que o estereótipo do artista "mortificado" e "atormentado" desperte maior interesse nos media e tenha maior peso de opinião que o esforço de quem limpa fossas faz-nos compreender em que medida a actual escala de valores está distorcida.
O narrador tem o dever de não confundir a fabulação, a sua principal missão, com um excesso de autobigrafismo obcessivo e de ostentação narcisista. A renúncia a estas atitudes permite salvar a autenticidade do momento, permite ao narrador ter uma vida para viver em vez de um personagem que interpreta por coacção.
| Marcha Mundial das Mulheres | 22 de Maio 2004 | Vigo |
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