terça-feira, março 27, 2007

Os turistas, os viajadores e os outros.

[excerto]

«Ora viajar é outra coisa: sempre que a lógica de mercado – que é uma metamorfose do racionalismo – nos “mostra” uma coisa, é porque “esconde” outra. Viajar é, por isso, procurar precisamente o que o turista não vê, isto é, aquilo que a lógica da mercadoria “esconde” evidentemente para poder “mostrar” aquilo que mostra e que corresponde a uma confirmação das expectativas de “autenticidade” turística. Viajar é, portanto, procurar aquilo que a lógica comercial esconde .
É evidente, no entanto, que o viajante “usa” o mercado: tem que usar uma vez que este está em todo o lado, penetra todas as esferas de acordo com o modelo “imaterial” da economia que funciona pela compra electrónica de informação. Mas ao usar o mercado – e diferentemente do turista – o viajante subverte-o, usando-o para o contornar, tentando descobrir a humanidade que existe por trás de várias formas de troca paga. Em certo sentido, o turista é aquele que procura viajar sem muitas surpresas, isto é, não se autoriza transformar-se em função da descoberta (por mais que isso aconteça sempre, pode não ser reconhecido como tal). Ele quer encontrar nos locais exactamente a confirmação do que se encontra nas brochuras e nos guias. O viajante é o que busca o imprevisto, a transformação, o escondido, em suma, a destruição interior do estereótipo.»
Francisco Nazareth, 2007


| convidada do casamento | sanatório | valongo | 2007 |

quarta-feira, março 21, 2007

Nota hetero inútil.

Num supermercado às 18:00h só há mulheres. As mais bonitas encontram-se nos transportes públicos às 08:00h da manhã. As mais pintadas estão nas discotecas às 03:30h ou domingo à tarde nos shoppings. As mais sexy são todas demasiado jovens. As melhores do mundo são beijadas ao acordar, ainda às escuras. Ora, já se sabe, sem luz, não dá.


| a bela e o monstro | :)))) | Valongo | Janeiro de 2007 |

domingo, março 18, 2007

Desporto nacional - um texto escrito quase com as palavras de outros.

[Não há citações para ninguém]

Depois do basebol, o desporto nacional americano é a teoria da conspiração. O Governo tem culpa de tudo [o que não deixa de ser verdade], sobretudo quando as torneiras em casa começam a pingar ou os tubos da ventilação começam a fazer ruídos estranhos durante a noite. Qualquer americano sabe que, perante tais sintomas, a CIA, o FBI ou uma agência militar secreta estão de certeza envolvidos.

Em Portugal, depois do futebol, o desporto nacional é tentar compreender os restantes portugueses - os outros, que não nós. Tentar.

Um bom exemplo disso é o editorial do DN de ontem. Poderia dizer que estou de acordo com a maior parte do artigo. Mas ao lê-lo há sempre um alfinete que me pica os miolos. O gajo que escreve o artigo não faz puto ideia do que está a falar. Fala de uma aldeia minhota quando os factos a que se refere não se passam no Minho... Tentou o melhor que pode o editorialista de um dos melhores jornais do país.

Visto de Lisboa, o país é um lastro chato e em grande parte incompreensível. Os locutores das rádios nacionais costumam cometer muitas vezes esse erro, de falar do estado do tempo da sua janela, sem sequer considerar a hipótese de que quem os houve está a centenas de quilómetros de distância, a chama-los burros de mansinho. Quando neva em Lisboa, é o país que se cobre de neve.

É evidente que vista do resto do país, Lisboa é uma cidade mais interessante do que aquilo que parece à distância. Ainda ando a tentar descobri-la. Tentar.


| a bela e o monstro | :) | Valongo | Janeiro de 2007 |

terça-feira, março 13, 2007

Podia ser uma história das que começa com "era uma vez"

Imaginem que conheci uma vez um gajo que apesar de urbano de gema (podia viver em Coimbra, Braga ou no Porto - escolham o que vos apetecer) tinha uma costela tão grande de Viseu que abdicava frequentemente de pensar. Naquelas conversas de circunstância em frente a um croquete e uma cerveja ele era impelido naturalmente a falar bem dos governos PSD. Nem sequer da mitologia cavaquista - até do Durão Barroso ele falava com simpatia em plena época de incêndios. Os croquetes nunca foram muito bons para o colestrol.

Conheci uma vez um tipo que adorava a filha. Naturalmente. A miúda crescia rapidamente, como todas as miúdas e já estava praticamente a fazer 4 anos. Estava na altura de convidar os amiguinhos da catraia para uma festa de aniversário. Feliz da vida ele explicou-me como havia empresas que tratavam de tudo, enfiavam os putos num pavilhão cheio de bolas e jogos variados e não era preciso tratar de nada. Adorar os filhos é um processo complicado.

Uma vez conheci um gajo que chegou a um alto cargo do estado. O tipo tinha um discurso muito avant-garde. Falava sobre direitos, opções, escolhas, responsabilidades sociais, liberdades. Tudo coisas maravilhosas. Aliás ele próprio era maravilhoso e saibam que ele - mais do que ninguém - acreditava nisso. Um dia calhou-me fazer com ele uma viagem do sítio A para o sítio B. O sítio A ficava a 80 quilómetros do sítio B. Teríamos que estar no sítio B dali a 30 minutos. O gajo decidiu parar rapidamente num café do sítio A, por apenas 5 minutos, para enfiar um uisque de golada. Agora sim, poderíamos assapar na auto-estrada a mais de 160kms por hora. Chegamos ainda assim um pouco atrasados, mas às putas tudo se perdoa.


| convidado do casamento | sanatório | valongo | 2007 |

domingo, março 04, 2007

Recado secreto para Oleiros.

Um bico.
Uma aperta.
Uma fotografia. Mas não esta.


| As convidadas | Sanatório | Valongo | Janeiro de 2007 |

quinta-feira, março 01, 2007

O regresso da espontaneidade acrata.

É certo que uma cidade se escreve com números. É uma espécie de álgebra-alfabética urbana. Quem nela nasce, quem nela vive, conhece-lhe os números como quem lhe conhece as casas, as ruas, as praças e as árvores.

Não se esquece o 79. Sobretudo nunca se esquece o 79 de dois andares da Leyland. O 79 era uma das formas como na cidade se escrevia “baixa”. Outra das forma era 20.

Como se escrevia mar na cidade? Diria eu 78, 21 e, eventualmente, 1 e 88.

Como se escrevia lá longe? 94, 29, 49, 53.

Como se escrevia Gaia? 82, 83, 84. Nunca soube escrever Coimbrões, Lavadores, Canidelo e Afurada.

Como se escrevia S. Pedro da Cova? Trólei!

A banalidade de circunstância invocaria Orwell. A verdade dos factos é peculiarmente mais curiosa. Mudaram a escrita à cidade. Agora é ver como andam vazios todos os autocarros das novas linhas. É o resultado de uma espécie de desobediência civil generalizada.

Ninguém sabe escrever com esses estranhos números, excepto meia dúzia de excepcionais técnicos dos STCP que, com mapas, planos, gráficos e complexas folhas de cálculo, se batem diariamente com a ciência que nos procura melhorar o quotidiano.

Mas esses - como é evidente – movimentam-se em bons automóveis. Para grande pena de todos.


| Noiva | Sanatório | Valongo | Janeiro 2007 |