quarta-feira, novembro 10, 2010

O fulano não existia.

Certo dia descobri um fulano que se mantinha à espreita de qualquer oportunidade para se tornar alguém melhor. Isto quer dizer o quê? Que andava sempre a estudar e a ler? Que ajudava velhinhas a atravessar a rua e servia sopa aos sem-abrigo? Nada disso. Era um tipo culto - parecia, pelo menos.

Os tipos cultos falam de livros e filmes que ninguém leu ou viu. Ou conhecem as discografias e as músicas obscuras das bandas do século passado. Ou olham para as folhas no chão e dizem alguma coisa com aparente interesse. Ele era assim. Mas porque achava que era assim que deveria ser. Não porque tivesse algum gosto em ver cinema xunga, livros densos e músicas roufenhas e mal gravadas. Assim esse fulano cria tornar-se melhor - aos olhos dos outros pelo menos.

Certo dia estive em casa dele. Um apartamento bem arranjado. Bonito e funcional, acrescentaria. Descobri há uns dias que é a exacta réplica do catálogo do Ikea de 2006. Não me recordo agora da página em concreto.

As fotografias distribuídas pela entrada e sala eram de uma família completa. Ele vivia só, mas tinha uma mulher e dois filhos que se tinham deixado ficar pela terra. Ele metia-se no carro e regressava a cada quinze dias. Fiquei a saber que as fotos eram tiradas directamente do Flickr para serem por ele apropriadas e depois impressas. O imbecil não tinha família. Nem sequer máquina fotográfica.

Por altura da Páscoa trouxe-me de Sevilha, umas tortas de azeite. Guardei-as por uns dias. Quando as fui comer vi que tinham sido compradas no Corte Inglês de Gaia.

A semana passada adicionou-me como "amigo" no Facebook. Percebi a farsa e colaborei. Corria o risco de ver as minhas fotografias expostas na sua sala. A ideia agradava-me em certo sentido. Amanhã conto segui-lo. Levo gabardina.

Se eu não voltar é natural: o fulano não existe. Mas a mulher dele é bem bonita, pelo menos a julgar pelas fotografias.


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