quinta-feira, dezembro 08, 2005

Diga 33

01 Sentei-me em frente a uma máquina para que ela me ensinasse a contar. Trinta e três linhas, pedi-lhe. Como são contadas 33 linhas? - perguntou-me.
02 De cima para baixo, incrementas o contador após cada carriage return. Ok? Comecemos então.
03 Nasceu há trinta e três anos um fedelho. Há quase trinta e três anos - porque hoje ainda não é o dia.
04 Chamaram-lhe Luis. Ponderaram longamente. Um nome determina uma vida. Que o diga D. Luis príncipe herdeiro - que se quilhou bem quilhado a bem da nação. Não dispersemos. Faltam vinte e nove linhas.
05 O fedelho passou de fedelho a puto, de puto a ganapo, de ganapo a rapazola, de rapazola a manfio e de manfio a gajo.
06 Um nome é no entanto apenas um nome. Um dia o gajo acorda e manda passear o nome. Nada de pessoal com os pais. Por uma questão meramente poética.
07 Luis é vulgar. Aniceto apela aos hegrégios avós. Os nomes são cartões de visita.
08 Um gajo passa de gajo a deus. Como se tivesse feito uma mudança de sexo num hospital secreto da CIA. Mudar de nome permite aos mortais viver duas vezes.
09 Deus é actor de filmes porno. Saltam-lhe para cima novas, velhas, feias, bonitas, gajas, gajos... tudo o que lhe apeteça, tudo o que lhes apeteça. Deus é deus, anda sempre sem preservativo e não apanha sida.
10 Deus, como é óbvio não se apaixona.
11 Um gajo que é gajo nem sempre consegue ser deus e trinta e três é múltiplo de onze.
12 Há gajos ateus pelo caminho. Esses usam preservativo, apesar de isso não ser relevante para a história.
13 Luis é humano. Tem segredos, paixões, fraquezas, defeitos, virtudes, cheira mal quando transpira, fica doente, também é birrento quando calha, fuma como um animal.
14 Luis também tem por vezes vontade de chorar mas já não é nenhum fedelho.
15 Na noite escura de Lisboa, a contra luz e em negativo, percorrem-se muitas vezes os quelhos deste país.
16 Bebe-se com velhos desdentados, cheira-se o fumo das febras nas festas, ouvem-se os rafeiros a ladrar ao fundo, mergulha-se nu na água gelada de um rio qualquer num sítio qualquer.
17 Isso de poder sair de casa, percorrer quilómetros em segundos e dormir no leito próprio é coisa mais própria de deus.
18 Há gajos ateus que acreditam nisso.
19 Vive-se devagar. Um salário em cada mês. Um aniversário em cada ano. Uma foto em cada rolo.
20 Há excepções. Por exemplo há quem tenha umas férias cada três meses.
21 Não há no entanto grande tempo para deixar aos fedelhos mais do que aquilo com que nos receberam. Crescem rápido.
22 Vinte e dois também é múltiplo de onze.
23 E em três tempos passam de fedelho a puto, de puto a ganapo, de ganapo a rapazola, de rapazola a manfio e de manfio a gajo.
24 Voltando ao vinte e um, tudo aquilo aparentemente devagar. Um salário em cada mês. Um aniversário em cada ano. Uma foto em cada rolo.
25 Quem andou não tem para andar. Há um pouco de mistério nesta frase.
26 Isto é triste? Não necessariamente.
27 Pedira-me tudo isto para um aniversário.
28 Trinta e três linhas pelos meus trinta e três anos.
29 A responsabilidade é muita, ainda que a encomenda seja curta.
30 Escolhe o que te dá prazer, como se fosse uma velha garrafa de vinho.
31 Planeia fazê-lo como se convidasses os amigos para uma jantarada.
32 Disfruta desse prazer como se abrisses a velha garrafa nessa jantarada.
33 Adormece com um sorriso nos lábios. É que isto está tudo ligado.


| L | na Sede | Gaia | Novembro de 2005 |

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