Quem viajar ao longo da A4, que liga Amarante ao Porto, pode facilmente encontrar uma série de instalações industriais, desde as famosas fábricas de móveis da Rebordosa, à Lear que se prepara para ir lucrar para outro lado, passando pelas mais variadas cadeias de hipermercados. Mas quem nos interessa nesta história é a fábrica de fogões Meireles situada ao quilómetro 22.
O quilómetro 22 não é um pormenor negligenciável, não senhor. É importante por exemplo para uma denúncia de um acto, digamos assim, de vandalismo. Imaginemos que alguém, nesse percurso de auto-estrada verifica que, em pleno mês de Julho, outro alguém (dentro das instalações dos tais fogões Meireles) se dedica a queimar resíduos em bidões metálicos, com labaredas de metro...
Como se desenrola o processo? Um cidadão preocupado liga naturalmente para o 117. O que é o 117? É a linha de emergência para incêndios florestais. Ok.
-Sim, ahh, é um terreno particular? Pois. E só estão a queimar coisas em contentores? Pronto. Olhe, a verdade é que não podemos fazer nada.
-Não podem fazer nada?
-Só actuamos em caso de incêndio. Terá que ligar para o 112.
[Desliga o telefone. Marca 112.]
-Sim, muito bem, mas terá que ligar o 117.
-Pois, percebo, mas acabo de ligar o 117 e pediram-me para contactar o 112.
-Vamos fazer uma coisa. Vou passar a chamada para a GNR da zona.
[Chamada transferida.]
-Nós podemos até tomar conta da ocorrência. Podemos mandar lá uma patrulha, mas a verdade é que quando lá chegarem o mais natural é já não encontrarem nada.
[neste momento, ainda que não se tenham apercebido passaram mais de 15 minutos, desde a passagem no famoso quilómetro 22. Os cidadãos zelosos estão já a pensar no almoço que os espera no final da viagem e começam a pensar que isso é infinitamente mais importante do que deixar o país arder de lés-a-lés.]
-Muito bem. Então o que é que se pode fazer?
-Ligue a linha SOS Ambiente. É o mais indicado para lidar com estes problemas.
[a chamada é desligada e a partir daqui o cidadão começa, ainda que pouco, a pagar do seu bolso o bem do seu país. O país merece uma chamada para um número azul.]
-[sinal de chamar] [silêncio] [sinal de chamar] [silêncio] (...)
Ninguém atende. Talvez seja melhor voltar a ligar.
-[sinal de chamar] [silêncio] [sinal de chamar] [silêncio] (...)
Pois é. Ninguém atende.
O comburente é uma metáfora rebuscada sobre a lassidão.
O combustível é bem mais fácil de explicar. É aquilo que faz com que desde o servente, ao director de uma fábrica, todos achem normal queimar resíduos a céu aberto. O burgesso é o combustível, o país é o comburente. Para todos eles deveria haver uma linha SOS.
| Estação de S. Bento | Porto | 2003 |
3 comentários:
«António Meireles- uma empresa de sucesso a trabalhar pelo seu bem-estar»: lê-se no site desta empresa.Pois...
O insucesso dos teus teefonemas prova que neste país se fica mais tentado a não fazer nada que a intervir, talvez isso seja um dos motivos que levam empresas como a Lear a «emigrar».
E...como sempre uma fotografia lendária de um sitío lendário: a estação de S.Bento.;-)
A Lear emigra não porque os trabalhadores portugueses sejam incompetentes ou porque ganhem muito (bem pelo contrário) mas porque para fornecer a Jaguar só o trabalho quase gratuito dos trabalhadores romenos é satisfatório...
Sim, eu sei. Tens razão.
Lis
Enviar um comentário