quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Insofismável.

Juntava o tempo das suas fezes ao tempo da sua reflexão. Nem sequer se apercebia da verdade triste que isso acarretava. As suas reflexões pessoais tinham a dignidade dos detritos do seu aparelho digestivo. E a mesma importância, já que era semelhante o tempo do dia que lhes dedicava.

Há dois anos e meio que tinha chegado à administração da empresa. O que significava em geral almoços tardios, demorados e agendados com muita antecedência. À noite, ao chegar a casa, encontrava a família cansada e prestes a adormecer.

Enquanto contraia o abdómen, ia mastigando algumas caralhadas. Estava farto dos estados de alma do PSI20 e começava a pensar seriamente o que fazer ao milhão e meio de euros que tinha distribuído por dúzia e meia de fundos e aplicações financeiras. Com 46 anos não lhe restava muita imaginação para o gastar.

A verdade insofismável tinha surgido uns dias antes. Ao fim da tarde, passeando a pé por uma das ruas das redondezas, achou bonita uma puta que certamente tinha acabado de acordar. Tremeu com a revelação: estava morto - a vida acabara naquele momento.

Lavou as mãos e apagou a luz.



| nenhum ser humano foi magoado na realização desta fotografia | graça | porto | dezembro 2008 |

2 comentários:

BVG disse...

Descrição genial :)
Que o teu local de reflexão não seja num simples "trono" hehe..
Abraço.

ana disse...

aloo, como vai esse norte?
um abRAaco