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Eduardo tinha aprendido com os pais que a privacidade da sua casa era o último reduto da sua intimidade. Para lá da porta de entrada ficava um espaço de certo privilégio, onde apenas determinadas pessoas tinham acesso.
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Pensa bem Eduardo... O número de telefone lá de casa. Pensaste bem nisso, Eduardo?
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Eduardo aprendeu que o exercício da amizade era um momento de expressão do genuíno.
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Eduardo, pega na agenda. Eduardo usa-a em nome de qualquer coisa. Qualquer coisa mascarada de amizade.
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Tudo bem? Sim, há quanto tempo! Sim, temos que combinar qualquer coisa um destes dias. Pois é, temos que marcar. Olha, estou-te a ligar por causa de uma promoção de Natal.
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Eduardo deixou-se comer. O seu amigo não. Cada qual vende o que entende.
| Pá, gosto desta foto | Montreal | 2004 |
segunda-feira, novembro 29, 2004
quarta-feira, novembro 24, 2004
... have fun in life.
Toronto, fim da tarde de Domingo. Segundo dia de viagem. Atravesso a rua no semáforo. Um autocarro está parado a meio da rua. A C continua. Abro a lente para 19mm centro o bixo e penso: «que se foda a sombra, que se foda o motivo. Como andas joaoluc: agora até fotografas autocarros.» - disparo. O motorista chama-me com uma cara muito séria:
[em inglês agora]
« -eu não faço pose. Sabe que eu não faço pose?
-tudo bem, só apanhei o autocarro.
-mas faço pose se ela pedir.»
Ele aponta a C e abre o sorriso. Silêncio. Todos nos rimos. Gesticula para nos chamar, abre a porta do autocarro e pede para entrarmos. Assim é. Já não atravessamos a rua. Pára o autocarro 20 metros depois, liga os quatro piscas e faz-nos sentar (a mim e à C) ao volante, tendo disparado ele próprio 3 fotos em que nos disse de que maneira queria que estivessemos - uma das quais uma simulação de agressão ao motorista, naturalmente estragada pelas nossas expressões divertidas.
Começamos a sair do autocarro:
«-Não é suposto evidentemente que eu faça nada disto, mas sabem como é, temos que nos divertir na vida.
-Já agora, como se chama?
-Doug.
-Doug?
-Sim. Bem vindos ao Canadá! Divirtam-se.»
| Doug | Toronto | Agosto 2004 |
[em inglês agora]
« -eu não faço pose. Sabe que eu não faço pose?
-tudo bem, só apanhei o autocarro.
-mas faço pose se ela pedir.»
Ele aponta a C e abre o sorriso. Silêncio. Todos nos rimos. Gesticula para nos chamar, abre a porta do autocarro e pede para entrarmos. Assim é. Já não atravessamos a rua. Pára o autocarro 20 metros depois, liga os quatro piscas e faz-nos sentar (a mim e à C) ao volante, tendo disparado ele próprio 3 fotos em que nos disse de que maneira queria que estivessemos - uma das quais uma simulação de agressão ao motorista, naturalmente estragada pelas nossas expressões divertidas.
Começamos a sair do autocarro:
«-Não é suposto evidentemente que eu faça nada disto, mas sabem como é, temos que nos divertir na vida.
-Já agora, como se chama?
-Doug.
-Doug?
-Sim. Bem vindos ao Canadá! Divirtam-se.»
| Doug | Toronto | Agosto 2004 |
segunda-feira, novembro 22, 2004
Entre um bife e uma costeleta de porco.
«A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né? Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né? Somos todos, ou anti-comunistas ou anti-fascistas, estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole (...)»
Não posso esconder que me incomoda uma atitude simpática e condescendente que tende a mitificar determinado tipo de organizações da esquerda revolucionária. Como se determinados faróis do comunismo não fossem mais sinistros do que a maior parte das democracias burguesas. Como se fosse possível em 2004 defender a sinistra República da Coreia do Norte. Como se fosse possível em 1975 defender a Albânia ou a poesia dos campos de educação pelo trabalho do regime chinês. Fazê-lo é, em qualquer momento, sinistro.
[passa-me aí as batatas fritas.]
Não se trata sequer de uma atitude de sectarismo. É um dever de lucidez que devemos ter connosco próprios e com os valores em que acreditamos.
[pagamos? a conta vem sempre no fim...]
Somos todos gajos muito porreiros. Nunca ninguém fez mal a ninguém. O que lá vai lá vai, não é? Porque é que havemos de falar dessas coisas agora? Porque é que havemos de o fazer? Isso agora não interessa para nada...
[barato, não foi?]
| mão na massa | gajo raro | Novembro 2004 |
Não posso esconder que me incomoda uma atitude simpática e condescendente que tende a mitificar determinado tipo de organizações da esquerda revolucionária. Como se determinados faróis do comunismo não fossem mais sinistros do que a maior parte das democracias burguesas. Como se fosse possível em 2004 defender a sinistra República da Coreia do Norte. Como se fosse possível em 1975 defender a Albânia ou a poesia dos campos de educação pelo trabalho do regime chinês. Fazê-lo é, em qualquer momento, sinistro.
[passa-me aí as batatas fritas.]
Não se trata sequer de uma atitude de sectarismo. É um dever de lucidez que devemos ter connosco próprios e com os valores em que acreditamos.
[pagamos? a conta vem sempre no fim...]
Somos todos gajos muito porreiros. Nunca ninguém fez mal a ninguém. O que lá vai lá vai, não é? Porque é que havemos de falar dessas coisas agora? Porque é que havemos de o fazer? Isso agora não interessa para nada...
[barato, não foi?]
| mão na massa | gajo raro | Novembro 2004 |
quarta-feira, novembro 17, 2004
Vou ali e já venho
Há anos atrás, na selva Lancadona - sudeste mexicano - uma das mais criativas declarações políticas da actualidade descrevia el sub-comandante Marcos como todos os explorados, todos os oprimidos, todos os discriminados. Todos couberam desde então debaixo daquele capucho negro. O coração de muitos tinha, em 1994, como capital Chiapas. Mas isso das capitais não é coisa que na verdade faça muito sentido. E os corações podem por isso multiplicar as suas capitais como outras tantas paixões.
De Chipas para Dili podemos por isso viajar em questão de segundos. Tal como de Porto Alegre para Génova. Ou de Seattle para Mumbai. Em 2004, foi Londres quem recebeu este povo global. O Movimento dos Fóruns - surgido no Brasil em 2001 - procura, desde então, juntar num espaço comum movimentos e cidadãos das mais variadas origens culturais, geográficas, ideológicas e políticas. Um espaço de encontro, de debate, de organização e resistência a uma ordem internacional baseada na subjugação económica do hemisfério sul, na pilhagem ambiental do planeta, no militarismo e na guerra.
Cada um destes momentos é uma afirmação de um princípio óbvio, e que na actualidade é particularmente subversivo. A ideia de que um outro mundo é possível.
| Manifestação | Fórum Social Europeu | Londres | Outubro 2004 |
De Chipas para Dili podemos por isso viajar em questão de segundos. Tal como de Porto Alegre para Génova. Ou de Seattle para Mumbai. Em 2004, foi Londres quem recebeu este povo global. O Movimento dos Fóruns - surgido no Brasil em 2001 - procura, desde então, juntar num espaço comum movimentos e cidadãos das mais variadas origens culturais, geográficas, ideológicas e políticas. Um espaço de encontro, de debate, de organização e resistência a uma ordem internacional baseada na subjugação económica do hemisfério sul, na pilhagem ambiental do planeta, no militarismo e na guerra.
Cada um destes momentos é uma afirmação de um princípio óbvio, e que na actualidade é particularmente subversivo. A ideia de que um outro mundo é possível.
| Manifestação | Fórum Social Europeu | Londres | Outubro 2004 |
quinta-feira, novembro 11, 2004
Abre os olhos.
Acordar, acordar, acordar. Abre os olhos diria o gajo do filme. Põe-te em pé, não és tu. Sim é o outro. Anda, mexe-te. Tens 35 minutos para fazer a barba, enfiar um pão mal torrado goela a baixo e arrastares o cú até à paragem do autocarro. Corre. Olha o autocarro ao longe. Voltaste a atrasar-te. Cumprimenta o barbeiro. Sê bem educado. Cuidado ao atravessar a rua. Corre mais um pouco. Ok. Chegarás a horas. A máquina espera por ti. Por ti não, por esse cartão que transportas na carteira. Bom trabalho – dirá ela por entre um apito estridente. Abstrai-te do que és. És servil. Comporta-te como é esperado. Sê natural. Opina conforme manda a norma e serás próactivo, assertivo ou outra merda qualquer. Opina contra a norma e serás conflituoso. Ok? Ok. Vai comer. Fritos? Sim fritos. Há outras coisas. É mais caro... Pois, é mais caro. Que se foda. Morrerás cedo. Que interessa isso? Não sejas conflituoso. Não corras. No regresso a casa os autocarros atrasam-se sempre meia-hora. Para quê correr? Em casa a máquina não te espera. A cidade está cheia de gente sem máquinas à espera. Não é bem assim. Todos sabemos que não é bem assim. Pela nossa casa a dentro entra a mesma máquina que nos esperará amanhã de manhã. De manhã pagam-te para a usares. À noite pagas para a usar.
É a vida minha senhora. Pois é. Vamos andando. Tem que ser. Tem que ser.
| N.A. | algures a sul do douro e a norte do vouga | 2004 |
É a vida minha senhora. Pois é. Vamos andando. Tem que ser. Tem que ser.
| N.A. | algures a sul do douro e a norte do vouga | 2004 |
segunda-feira, novembro 08, 2004
sábado, novembro 06, 2004
Peidos e Artistas.
Não me agrada a forma habitual com que se procura parecer aquilo que se não é. Um padrão global de hipocrisia generalizada que promove seres que a todo o custo se tentam libertar da sua humanidade para atingir o patamar dos deuses.
Gosto de ir jantar com os amigos até ao Bairro Alto e fazer o percurso a pé até ao Largo do Carmo aos peidos. Mais aprecio verificar que o corrector ortográfico desconhece o plural da palavra. Como se o peido não tivesse direito à sua pluralidade.
...a propósito do Land of Plenty, do Wim Wenders; não é preciso presunção para se fazer cinema com inteligência. Há coisas que fazem mais sentido separadas.
| A Cidade Subterrânea | Montreal | Setembro 2004 |
Gosto de ir jantar com os amigos até ao Bairro Alto e fazer o percurso a pé até ao Largo do Carmo aos peidos. Mais aprecio verificar que o corrector ortográfico desconhece o plural da palavra. Como se o peido não tivesse direito à sua pluralidade.
...a propósito do Land of Plenty, do Wim Wenders; não é preciso presunção para se fazer cinema com inteligência. Há coisas que fazem mais sentido separadas.
| A Cidade Subterrânea | Montreal | Setembro 2004 |
terça-feira, novembro 02, 2004
Recordações da América
A guerra global em que vivemos tem uma característica muito curiosa. É até certo ponto encarada com uma macabra naturalidade por uma grande parte da população do planeta. Por outro lado foi capaz de gerar a maior oposição alguma vez verificada a nível mundial. As maiores manifestações foram curiosamente as de Londres e Nova York.
Os mortos dos ataques às torres nova-iorkinas são usados diariamente para justificar a violência sobre onde quer que os mísseis estejam apontados. As questões que a população de Nova York procura responder desde 11 de Setembro de 2002 são outras.
Se a guerra tocou pela primeira vez solo norte-americano, então quando começou essa guerra? Porque começou ela? Mas mais importante que isso...
Como poderá acabar-se com ela?
A resposta não será no entanto encontrada esta semana.
| O Moreira à espreita | Manifestação Mundial contra a Guerra | Porto | 15 de Fevereiro de 2003 |
Os mortos dos ataques às torres nova-iorkinas são usados diariamente para justificar a violência sobre onde quer que os mísseis estejam apontados. As questões que a população de Nova York procura responder desde 11 de Setembro de 2002 são outras.
Se a guerra tocou pela primeira vez solo norte-americano, então quando começou essa guerra? Porque começou ela? Mas mais importante que isso...
Como poderá acabar-se com ela?
A resposta não será no entanto encontrada esta semana.
| O Moreira à espreita | Manifestação Mundial contra a Guerra | Porto | 15 de Fevereiro de 2003 |
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