quinta-feira, novembro 11, 2004

Abre os olhos.

Acordar, acordar, acordar. Abre os olhos diria o gajo do filme. Põe-te em pé, não és tu. Sim é o outro. Anda, mexe-te. Tens 35 minutos para fazer a barba, enfiar um pão mal torrado goela a baixo e arrastares o cú até à paragem do autocarro. Corre. Olha o autocarro ao longe. Voltaste a atrasar-te. Cumprimenta o barbeiro. Sê bem educado. Cuidado ao atravessar a rua. Corre mais um pouco. Ok. Chegarás a horas. A máquina espera por ti. Por ti não, por esse cartão que transportas na carteira. Bom trabalho – dirá ela por entre um apito estridente. Abstrai-te do que és. És servil. Comporta-te como é esperado. Sê natural. Opina conforme manda a norma e serás próactivo, assertivo ou outra merda qualquer. Opina contra a norma e serás conflituoso. Ok? Ok. Vai comer. Fritos? Sim fritos. Há outras coisas. É mais caro... Pois, é mais caro. Que se foda. Morrerás cedo. Que interessa isso? Não sejas conflituoso. Não corras. No regresso a casa os autocarros atrasam-se sempre meia-hora. Para quê correr? Em casa a máquina não te espera. A cidade está cheia de gente sem máquinas à espera. Não é bem assim. Todos sabemos que não é bem assim. Pela nossa casa a dentro entra a mesma máquina que nos esperará amanhã de manhã. De manhã pagam-te para a usares. À noite pagas para a usar.
É a vida minha senhora. Pois é. Vamos andando. Tem que ser. Tem que ser.


| N.A. | algures a sul do douro e a norte do vouga | 2004 |

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