Um fim de algum tempo começou a pensar que efectivamente poderia estar a ficar louco. Estava a olhar para o seu bloco de notas, depois de várias semanas de viagem e duas noites sem dormir entre comboios e estações geladas algures na Ásia.
Estava habituado a olhar para os seus textos como um conjunto de frases desconexas. Assim era mais uma vez e com o cansaço recente, a justificação parecia óbvia e natural.
No entanto as horas não podiam estar correctas. Primeiro essa discrepância passou-lhe desapercebida. Depois começou a perceber como as refeições sucediam-se a um ritmo pouco habitual. Não tinha hábito de usar relógio e o telemóvel há muito que andava desligado. Ali de nada lhe servia. Só se servia dos relógios das estações, para onde olhava com o mesmo olhar que se lança a um instrumento de tortura.
Foi então que se lembrou de uma antiga amante, com quem combinava encontros tanto do lado de cá, como do lado de lá da fronteira. A confusão com os fusos horários era recorrente. E ela, como se lhe sussurrasse uma secreta e perversa fantasia repetia-lhe sempre ao telefone: «cielo, la hora siempre es la hora local.»
| ilhéu de vila franca | s. miguel | junho 2006 |
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