sexta-feira, agosto 24, 2007

Dia 2.2

Era domingo no mundo. Tinhamos gente à nossa espera para jantar em Sofia. Contavam connosco a horas decentes. Eu não sei muito bem; a combinação não era comigo. De qualquer forma, à entrada de Sófia descobrimos aquilo que já sabiamos. Era domingo no mundo. Já estávamos atrasados, mais atrasados ficámos. Aos nossos olhos, a entrada rodoviária ao sul de Sófia, concentrava naquele momento muito mais que metade da população da cidade.

Estava muito calor. Suei muito é evidente. Mas naquela altura já só pensava em jantar e em conversar um pouco com quem nos convidava. Mas as donzelas que comigo estavam pensavam noutras coisas. Tinham acabado de tomar banho numa barragem ao sul de Sófia, depois de Samokov. Eu não os tinha acompanhado e, pela lógica, seria eu o mais necessitado de um banho. Nada disso. O chófer (eu próprio) teve que levar as donzelas respectivamente a casa e ao hotel.

Chegámos finalmente onde deviamos ter chegado duas horas antes. Quem nos esperava não estava com cara de muitos amigos. As explicações não convenceram. Como se poderia justificar o atraso com um banho tomado numa represa onde o lixo abunda nas margens e onde a água turva não inspira grande confiança...?


| banho domingueiro ao sul de sófia | entre samokov e sófia | bulgária | junho 2007 |

De Portugal trouxemos coisas para gostos diferentes. O último livro do Jorge Marmelo, uma bola e um boné da selecção. Ficaram em cima da mesa esquecidos no meio das conversas à volta de Portugal e da Bulgária. Fico a saber de viva voz como os vestígios da sociedade policial não desaparecem de um dia para o outro e de facto ainda não desapareceram. Nada que na verdade me surpreenda. Só alguém de má fé pode justificar um pintelho que seja do estalinismo.


| lembranças tremidas de portugal | sófia | bulgária |

quinta-feira, agosto 23, 2007

Dia 2.1

Não encontro um paralelo entre aquilo que é um mosteiro da igreja ortodoxa e algo que diga respeito à nossa realidade histórica e cultural. Os mosteiros na Bulgária (na Roménia é semelhante) estão metidos em locais de alta montanha, tipicamente longe de tudo e com um acesso que há uns anos atrás seria bem mais complicado que hoje. Os monges viviam [vivem] isolados de tudo e de forma aparentemente autónoma.

O mosteiro de Rila, o mais famoso de toda a Bulgária, em pleno mês de Junho ainda é tutelado por vestígios de neve no topo das montanhas. A arquitectura cheira já a qualquer coisa de bizantino. A mim em particular esse tipo de construção lembra-me Veneza.


| O mosteiro de Rila | Bulgária | Junho de 2007 |

Mas mais impressionante que tudo isso são os frescos. As cenas são muito coloridas e aquelas que retratam certas passagens bíblicas, representações do inferno ou determinados acontecimentos são particularmente grotescos.


| frescos | Rila | Bulgária | Junho de 2007 |

Neste mosteiro sente-se muito pouca religiosidade no ar. O que quer que isto signifique. Sei bem que a religiosidade não voa. Há magotes de turistas por todo o lado.

Mais importante que isso, recordo um dos ensinamentos de um dos grandes fotógrafos amadores portugueses: nunca menosprezar o potencial fotogénico de uma turista japonesa e do seu respectivo guarda-sol.

Olho para as notas que tomei nesse final de dia. «O mosteiro é impressionante. Não deu grandes fotos. Talvez algumas engraçadas a cores.» Ainda não revelei os filmes a preto e branco, mas a julgar por mim próprio, melhor que isto não deve haver. De qualquer forma a boa recordação deste dia são as filhoses quentes comidas à porta do mosteiro. Custaram 60 stotinki cada uma. Que dinheiro tão bem gasto...


| o potencial fotogénico da turista japonesa | Rila | Bulgária | Junho de 2007 |

Dia 2.0

Um casal de namorados nunca se conhece suficientemente bem. Não é por causa da névoa que provoca a paixão. É só porque as coisas são assim mesmo. No dia em que vão viver juntos, descobrem novas pessoas, com defeitos, tiques, rotinas e atitudes que se desconheciam.

Tal como um casal de namorados não se conhece suficientemente bem até partilhar uma casa, um grupo de amigos não se conhece suficientemente bem até passarem umas férias juntos. É aqui que se deixa de lado alguma da superficialidade que o convívio quotidiano, por mais que queiramos, tem.

"A" gosta de acordar cedo, tomar o pequeno almoço em menos de 15 minutos e fazer-se à estrada antes das nove da manhã. "B" gosta de se deitar às tantas da manhã, sem qualquer procupação com os planos para a manhã seguinte, apesar de ser o primeiro a acusar os restantes pelo atraso matinal. "C" depois do pequeno-almoço, precisa de cagar e fumar um cigarro - não necessariamente por esta ordem - coisa que faz sempre com a mesma calma, mesmo no meio de um tremor de terra. No percurso "A" gosta de conduzir devagar, com os vidros fechados e o ar condicionado ligado e parar muito raramente. "B" gosta de conduzir rapidamente, com os vidros abertos e parar de 20 em 20 minutos, alternadamente para comprar água e mijar. "C" prefere dormir e quando acorda pede estridentemente para comprar fruta, postais ou água de rosas num sítio qualquer.

O que é que define um grupo de amigos: terem a capacidade de olhar para isto tudo e rirem-se como uns perdidos de si próprios quando chegam com uma ou duas horas de atraso onde precisavam chegar mais cedo.

O risco de partir de férias com amigos é mais alto do que o pode parecer à primeira vista. Já sabia isto tudo, antes de tirar esta fotografia numa bomba de gasolina a caminho do mosteiro de Rila. Olhando para os meus amigos, considero-me um gajo com sorte.


| Mig Petrol | Bulgária | Junho 2007 |

domingo, agosto 19, 2007

Dia 1.5

Sempre que se viaje para oriente, é natural que um europeu se comece a sentir analfabeto no meio das ruas. Apesar de ainda estar na Europa, a Bulgária é o início do oriente. E eu, que sabia que ia conduzir, tratei de fazer bem o trabalho de casa e estudar o cirílico nos poucos tempos livres em que pude fazê-lo.

Não estava exactamente à espera de encontrar "Macdonald's" escrito em cirílico, tal como não esperava ver no Quebeque neons do "PFK". Pelo que percebo, na Bulgária toda a gente domina os dois alfabetos e, com a integração europeia, muitas das coisas aparecem escritas lado a lado na forma latina e na forma cirílica. A situação deve ser muito mais divertida na Ucrânia ou, evidentemente, na Rússia.


| americanices | sófia | junho de 2007 |

O P. chega nessa noite vindo de Portugal. No restaurante, às onze e meia da noite, depois de olhar para a lapela da empregada pede-me para ler o seu nome. Eu pareço uma criança de sete anos a soletrar as letras, mas acaba por me sair qualquer coisa com sentido: "Svetlana". Mas mais gozo ainda tinha eu ao ver as placas que marcavam Atenas, Skopie e Belgrado. Deixam-me um nervoso miudinho na ponta dos dedos.

Ponho-me a pensar que talvez seja melhor avisá-los: se um dia de manhã eu e o carro tivermos desaparecidos talvez seja melhor avisar directamente a polícia sérvia. Num ataque de sonambulismo (pelo menos seria esta a minha desculpa) tinha fugido para Nis...


| kulata - skopie - atina - kalotina - belgrad | sófia | junho 2007 |

sexta-feira, agosto 17, 2007

Dia 1.4

O protagonista do livro do Houellebecq não precisaria de ter ido até à Tailândia ou à América do Sul para ilustrar os paraísos do turismo sexual. No meio da rua, um engravatado mete conversa da forma mais imbecil e óbvia: pergunta-nos as horas. Já em Havana toda a gente me perguntava as horas a qualquer momento e em qualquer circunstância…

Não posso censurar o alcoviteiro. Ao longo da nossa viagem outros pensaram o mesmo. Três homens em viagem a sós pela Bulgária, só podem estar à procura de sexo. E muito. Não era bem o caso.

Em menos de três tempos tinha na minha mão um cartão com todas as informações úteis: um número de telefone, os preços e a garantia de controlo médico. Rimo-nos como uns perdidos ao ver que nos era proposta uma modalidade “non-stop”. A verdade é que uma mulher que nos fizesse estar acordados uma noite inteira não teria preço... Ultimamente, só uma tem essa capacidade e isso não tem nada a ver com sexo.


| o cartão non-stop | sófia | junho de 2007 |


Guardo o cartão na carteira e começo a deixar de reparar nas mini-saias que por mim passam a toda a hora. Não há mulheres vestidas com calças e muitas das jovens búlgaras são além de espampanantes, efectivamente muito bonitas. Penso na tragédia que é levar uma vida casta numa cidade como Sófia. Os níveis de hormonas no sangue podem atingir níveis tóxicos com facilidade. Lembro-me do Al Pacino no advogado do diabo: «Olha mas não toques. Toca mas não proves. Prova mas não engulas.»

Assisto pelo caminho a dois casamentos. Uma cerimónia religiosa ortodoxa, onde os noivos divertidos sorriem abertamente para um padrinho desajeitado que tem que trocar várias vezes coroas sobra as suas cabeças. Ao contrário das cerimónias católicas, os convidados parecem descontraídos e os sorrisos surgem com grande naturalidade.

Uma outra cerimónia no jardim do hotel, onde os convidados dançam música tradicional ao longo da piscina. Lembro-me do Emir Kusturika e percebo como, apesar de tudo, deve ser relativamente fácil recriar aqueles personagens.


| a moda búlgara | sófia | junho de 2007 |

quarta-feira, agosto 15, 2007

Dia 1.3

Este post, ao contrário do que é habitual tem duas fotografias. Os anteriores também tinham, mas não era tão óbvio. ;)

Comecei a sentir isto pela primeira vez no Canadá. "Isto" o quê? Bom "isto" de achar que já há pouca coisa que se possa encontrar numa cidade que possa genuinamente surpreender ou encantar. É pedante bem sei... E já se está mesmo a adivinhar: agora o gajo vai-se pôr a enumerar todas as cidades que já visitou como quem mostra o pescoço carregado com as joias da família.

Não é que não me surpreenda com uma viagem - continua a ser das coisas que adoro fazer - mas o que eu procuro sou coisas menos retratáveis em fotografia. O mais certo é que os bons momentos que se passam, nem sempre possam ser retratados. As máquinas fotográficas são só acessórios, de vez em quando também convém pousa-las...

Tudo isto para dizer que passear em Sófia pela primeira vez foi uma coisa que me agradou, mas não me surpreendeu. Gosto de descobrir as cidades a pé e calmamente. Visito uma loja de material fotográfico usado. Até aqui as russas Lomo estão inflaccionadas. O homem pede-me 80 lev (40€) e explica-me que a grande angular é muito boa. Sorrio maldicentemente. O nome da máquina nem sequer está escrito em cirílico...

Noutro pólo da Universidade mais uma surpresa. Num cubículo de 36m2 amontoam-se livros por mais de 2 metros de altura. O velho livreiro sabe onde está cada um deles e tenta vender-me literatura búlgara do séc.XX em francês. Teria mais sorte que o outro com a Lomo, mas não me apanhou para aí virado.

Ao passar em frente à igreja em memória de Aleksander Nevski, encontro um elfo no jardim. Explico-lhe que para fazer o meu postal, preciso que passe em frente à igreja um trabant isolado, sem qualquer outro carro ou pessoa. Ele pisca-me o olho. Espero menos de 3 minutos, disparo e continuo o meu caminho.


| igreja aleksander nevski | sófia | bulgária | junho 2007 |


Em frente à sede do governo, anterior sede do partido comunista, ostentam-se as bandeiras dos países membros da Otan. Depois de seguidora canina da política de Moscovo, a Bulgária apressa-se agora a lamber as mãos ao novo dono. Os dirigentes búlgaros parecem ser alunos marrões que engraxam os professores o mais que podem, mas são incapazes de perceber o que quer que seja da matéria dada.


| sede do governo | sófia | bulgária | junho 2007 |

terça-feira, agosto 14, 2007

Dia 1.2

Cada vez mais a gastronomia é igual em todo o lado, pelo que sinto alguma ânsia em conseguir apreciar as esquisitices locais. Aquilo que os camones chamam de "international food" não é mais do que a normalização de uma série de pratos -iguais por todo o lado - que assim podem ser facilmente interpretados para serem vendidos, de preferência com os menus em inglês.

É com uma mistura de ânsia e boa disposição que me disponho a entrar nos restaurantes mais improváveis para turistas. Como tinha companhia com experiência, não tive sequer que me dedicar a saber o que havia de pedir. Na Bulgária come-se carne. E não há peixe nos menus. Aliás essa coisa de comer peixe é mania de português...

Nos balcãs comem-se muitos grelhados, boas saladas (sem azeite, o que entristece um pouco) e acompanha-se tudo com айрян, um iogurte líquido, levemente salgado que sabe maravilhosamente bem em dias de calor.

Enquanto nos lambuzávamos, o S. repetia sorridente: «adoro os balcãs!». Eu apanhei-lhe o tique.


| айрян | ayran | sófia | bulgária | junho 2007 |

Dia 1.1

Eu sabia que ele não fotografava há anos. Desde que a mãe tinha morrido, não parecia haver ninguém capaz de olhar para aquilo que os olhos dele viam pelo mundo fora. Nem sequer ele próprio.

Eu trouxe-lhe uma máquina fotográfica nova - digital. O dia não é o melhor. O sol está demasiado forte. Ainda assim deve até haver quem goste. Vejo-o a apontar a máquina. É como se o mundo fosse um corpo de um cão caído ao lado da estrada, de quem ele se aproxima, e a quem dá, a medo, pequenos toques com o pé. Primeiro uma estátua, depois um monumento, finalmente vejo-o a fotografar de longe alguém.

Ele diz que não gosta de incomodar. Eu digo-lhe que não pode fotografar pessoas sem que elas saibam que estão a ser fotografadas. Pondero pegar na grande angular e fotografar quem ele fotografou. Olho duas ou três vezes... não me inspira.

Passeamos pelo jardim até ao monumento aos partisans. Todo vandalizado. Alguém desarmou os soldados de metal. Ninguém tolera por aqui qualquer vestígio do poder estalinista. Bem vistas as coisas, fazem bem.



| monte dos irmãos | sófia | bulgária |junho 2007

segunda-feira, agosto 13, 2007

Dia 1.0

Ao acordar olho para cima da montanha: Vitosha. É uma imagem a que não estou habituado. Posso jurar que aquilo não estava ali ontem à noite. Que paisagem tutelar...

Vamos embora: banho e pequeno almoço.

Misturo as primeiras impressões da cidade com as impressões do clube diplomático que me alberga. Tenho o prato do pequeno almoço cheio de coisas sem nexo. Demasiado queijo, demasiado fiambre, imenso tomate. Servem-me quase por favor uma chávena de leite. O pão é duro e está queimado, supostamente torrado... Estou albergado num sítio para novos ricos.

Enfrento sozinho o trânsito de entrada na cidade. Admiro o belíssimo parque automóvel e a omnipresente montanha de Vitosha. Agora sim, começam as férias.

Visito um dos pólos da universidade. As salas são minúsculas, pouco maiores do que arrecadações. O mobiliário é velho; o edifício também. As salas são minúsculas - estou a repetir-me, mas não concebo uma aula num sítio semelhante.

A primeira água do dia é tomada no meio do bairro ali perto. Sinto que quase podia estar no bairro do Outeiro. Não, não... estou demasiado longe de casa. Ao meu lado passa a primeira carroça com ciganos. Design romeno. As coisas idiotas que se pensam e se escrevem...


| унгарска филология | ungarska filologuia | sófia | junho 2007 |

quinta-feira, agosto 09, 2007

Dia 0.2

Olho para o relógio. É tarde. Então meu, bazamos? Saímos do restaurante. De novo o calor cá fora. Esta noite vou dormir só, num hotel que não sei onde é, numa cidade que não conheço.

Primeiro: passar em casa do S. Fazer o percurso de casa dele até ao hotel que fica nos arredores da cidade.
Depois: voltar a casa para o trazer.
Finalmente: regressar ao hotel sozinho.

Talvez por desvio profissional, sinto bastante confiança a orientar-me em sítios desconhecidos.

Encontrámos os senhores polícias. Eles não falam português. Eu nem boa noite sei dizer em búlgaro. Mentira. Se bem me recordo é Лека нощ. Adiante.

As avenidas, os prédios, as velhas linhas de eléctrico, as placas rodoviárias que indicam Atenas ou Belgrado, os prédios sinistros do tempo da outra senhora... o cheirinho do socialismo irreal. Estou demasiado cansado.

No hotel decorre ainda um casamento. O quarto é grande. Na verdade é um apartamento. Tem cozinha e tudo. A cama é péssima, o quarto de banho não tem luz, os lençois são mais pequenos que o colchão, está tudo demasiado quente. Só quero dormir.

Volto a casa do S. O percurso faz-se em menos de 15 min.

Olho para o relógio: são três e dez. Amanhã devo levantar-me a tempo do pequeno almoço. Faço meia dúzia de fotografias idiotas sem saber porquê e atravesso-me em cuecas no meio da cama. Лека нощ.


| três e oito | quarto de hotel | sófia | junho 2007 |

quarta-feira, agosto 08, 2007

Dia 0.1

Aterrei de noite no aeroporto de Sófia. Onze e tal da noite. O estômago enganado pela comida rasca que é distribuída no avião. Desejava duas coisas: conversar com o doido do S. um bom bocado e comer qualquer coisa digna do nome de refeição.

Entretanto pensava nas minhas outras viagens para leste. Pensei várias vezes nos subúrbios de Praga e nos seus eléctricos, nos edifícios das grandes avenidas de Bucareste, nas planícies da Hungria, na costa Croata... às vezes é melhor viajar sem quaisquer referências e deixar que a surpresa tome conta de nós.

Primeira surpresa: a Bulgária não faz parte do espaço Schengen. Oito cabines com polícia de fronteira a aviarem um avião inteiro. Mais uma fila. Como sempre, a minha fotografia barbuda do passaporte, faz com que olhem para mim meia dúzia de vezes antes de me agradecerem qualquer coisa que eu não sei bem o que é. Thank you para ti também e não me chateies mais - pensei.

Ainda tenho tempo de ver que os tapetes de bagagem são fabricados pela Efacec. Até que finalmente saio porta fora. Ahhhhhh!!!!

Um calor tremendo. Onze da noite e a temperatura a rondar os 30ºC. Um aperto forte nos ossos do S. que se ri de mim por viajar de calças e casaco.

Alugar o carro e ala para o centro de Sófia. Vamos comer e conversar. O S. não mudou nada. Ainda bem. Só por isso a viagem já teria valido a pena.

Fico com a sensação agradável que as placas em cirílico não são o chinês que imaginei que pudessem ser. Consigo soletrar as palavras. O mesmo não pode dizer o polícia que me faz parar numa operação stop no regresso ao hotel às duas da matina. Olha para o meu bilhete de identidade e percebo que não faz puto ideia daquilo que está a ver. Chama os outros dois bófias. Ao fim de alguns olhares em silêncio, mandam-nos seguir. Concluiram que não represento perigo para a segurança do estado. Esqueceram-se de ver as toneladas de explosivos de fabrico doméstico dentro dos rolos fotográficos.


| S. | restaurante 24h | sófia | bulgária | junho 2007 |

Dia 0.0

Durante muito tempo, para mim viajar sempre foi coisa de me deixar nervoso. Isto não implicava nada de especial: uma noite mais mal dormida, um pequeno almoço tomado ainda antes do nascer do sol... Não vejo grandes razões para isso. Mas lembro-me dos tempos em que viajava com os meus pais e em que me fui habituando a pensar que qualquer esquecimento na preparação de uma viagem era de uma grande gravidade. Longe de casa estaríamos sempre perdidos como se viajássemos para os himalaias.

As vésperas de viagens de automóvel já não me deixam qualquer nervosismo, mas quando há um avião pelo caminho, é verdade que fico com uma impressão na barriga. Não tenho qualquer fobia de aviões, nem medo. A verdade, é que depois do check-in feito, sentado num desconfortável banco de aeroporto, fico imediatamente tranquilo.

Mas pior que os aviões em si, são as horas de espera por uma ligação, num sítio de onde não se pode sair e onde tudo o que se pode fazer é gastar dinheiro. Não consigo concentrar-me o suficiente para ler, não consigo inspiração para fotografar seja o que for e começo a pensar nos filhos da puta dos terroristas sauditas e nos filhos da puta dos militares americanos e nas filhas da puta das bombas de ambos, que me obrigam a tirar o cinto, a descalçar e a mostrar como sou efectivamente um rapaz inofensivo e que os meus rolos fotográficos não transportam duas toneladas de explosivos de fabrico caseiro.

Acho que podia explicar que só quero mesmo ir visitar um amigo com quem possa insulta-los a todos, em frente a um bom prato de comida. O meu alemão anda pelas ruas da amargura - penso de mim para mim, para me desculpar.


| cabines | aeroporto de frankfurt | junho de 2007 |