O tabaco em si é apenas uma planta. Como provavelmente muitos de vocês sabem, uma das coisas que me chateia há muitos anos é vir para casa com perfume a tabaco. Por qualquer motivo que não posso explicar por completo incomoda-me o cheiro. Não me incomodam o cheiro de outras plantas. Por exemplo, o alecrim, o tomilho, os oregãos ou o louro. Gosto até bastante de coentros. Tabaco, confesso que nunca apreciei.
Pouca gente saberá quais os efeitos de passar o dia a queimar louro seco e a metê-lo para dentro dos pulmões. Ou alecrim, oregãos ou coentros. Dito assim parece uma coisa bastante ridícula, não é verdade? Quem se lembraria de fazer semelhante disparate? Mas pelos vistos há quem tire um prazer enorme em fazê-lo com outras plantas, sendo o tabaco uma delas... Eu ainda assim continuo a achar que os coentros são melhores fresquinhos no prato, do que queimados depois de secos.
a liberdade.
Assustam-se muito os proprietários de cafés, bares e restaurantes com a nova lei sobre o tabaco. Os jornalistas fazem coro. Os fumadores, passarão a ser oprimidos e certamente haverá até quem já se tenha dedicado a explicar como a lei é pura e simplesmente fascista. A liberdade dos fumadores está posta em causa! Estou a ficar careca, mas fico com os cabelos em pé de cada vez que penso que a liberdade está posta em causa. Nem pensar nisso! Tenho muitos amigos fumadores, como vão agora tirar-lhes essa liberdade? Nã, nã, nã... que eu também sei daquela citação do Brecht...
old school rulez.
Os revolucionários franceses do séc. XVIII perceberam muito bem essa coisa da liberdade. E perceberam-na tão bem, que a fecharam num círculo com outros dois conceitos: a igualdade e a fraternidade. Qualquer um destes, sem os outros dois, seria despido de sentido. Até agora a regra tem sido olhar para o tabagismo como a liberdade de fazer fumo em sítios fechados, em nome do prazer próprio ou doutra coisa qualquer que eu não estou em condições de perceber. E essa era a regra. A mim que me chateava o cheiro da dita planta, restava-me a liberdade de não frequentar cafés, bares e (aqui para nós que ninguém nos ouve) a liberdade de deixar de participar em determinadas reuniões, mesmo que cercado de camaradagem ecologista. Exerci essa liberdade (e continuarei a fazê-lo) muitos anos.
Ponho-me para aqui a pensar com os meus botões, enquanto vejo notícias que anunciam que muitos bares, discotecas, restaurantes de luxo e tascas das mais rascas vão abrir falência. Imagino que não abram falência logo no próprio dia 1 de Janeiro de 2008. Primeiro porque é feriado e segundo porque suponho que toda a gente terá curiosidade em ver como será, antes de abrir falência. Mesmo com a crise, toda a gente tem um pequeno pé de meia. Lá para Fevereiro estará certamente instalado o caos.
Eu estou habituado a ser minoria. Não é bem uma questão de estilo. Será outra coisa qualquer. Eu gosto de pensar que tem a ver com o discernimento - mas essa pretensão pode ser muito bem o primeiro sintoma de como estou enganado. Mas no meio desta história acho que não sou minoria. Pelo contrário, por uma vez acho que faço parte da maioria - um bolchevique afinal.
ano novo
Uma das mudanças que vejo como certa na minha vida em 2008, será certamente o facto de começar a sair mais vezes à noite. Melhor dizendo, não é bem mais vezes - porque agora nunca saio - trata-se de recomeçar a sair à noite. De cada vez que o fizer, pode ser que ajude o dono de algum bar a salvar-se da falência certa. Mas sendo os não fumadores a maioria, talvez a história venha a revelar-se diferente. Ainda assim, não tenho pretensões a adivinho.
Tenho pena que em Portugal uma lei tão sensata tenha sido implementada por um dos governos mais coerentemente e "espertamente" neo-liberais. Posso estar enganado, mas penso que nesta lei pesaram mais os técnicos do Ministério da Saúde, que o programa do governo PS.
Tenho pena que esta lei não tenha sido imposta pelos sindicatos, como uma das formas mais elementares de protecção dos trabalhadores - sobretudo dos que trabalham na restauração.
Tenho pena que tenha sido uma decisão da tecnocracia. É que é sabido, a tecnocracia, ainda que acerte às vezes, falha muitas outras.
Tenho pena que na esquerda, a liberdade de poluir surja como uma contraponto a outra coisa qualquer sempre apresentada como sendo muito (mas muito!) mais importante - a liberdade de ser informado (tanta gente que deve desconhecer os malefícios do tabaco, não é?), de ser estimulado de mil e uma maneiras a deixar o vício (mas então não somos livres de escolher?), a liberdade de ter tratamentos anti-tabágicos pagos (mas... mas... mas... os maços de tabaco, quem os paga afinal?).
Tenho pena que o meu partido tenha tomado a posição ridícula que tomou.
No meio de tanta pena não posso deixar de sorrir ao saber que os deputados não poderão invocar imunidade parlamentar e terão que fumar na rua, fora da assembleia. Dickens teria certamente escrito um livro maravilhoso sobre a questão. Mas fico curioso sobre quem se arriscará a uma conversa de circunstância com o Paulo Portas, na soleira da porta de entrada.
2007 foi o que foi, 2008 será o que será. Eu estou cá para que sejam diferentes um do outro.
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